terça-feira, setembro 23, 2025

A Câmara, a música, e a casa dela

É conhecida a pouca apetência do executivo camarário da Guarda para com a cultura. O concelho é um deserto de iniciativas e, principalmente, do processo de formação e desenvolvimento de práticas culturais, muito ao arrepio da nossa Constituição, a qual define, no artigo 73.º, que «todos têm direito à educação e à cultura» e que “O Estado promove a democratização da cultura, incentivando e assegurando o acesso de todos os cidadãos à fruição e criação cultural, em colaboração com os órgãos de comunicação social, as associações e fundações de fins culturais, as coletividades de cultura e recreio, as associações de defesa do património cultural, as organizações de moradores e outros agentes culturais”.

Infelizmente, os sucessivos executivos camarários tudo fizeram para que o desígnio constitucional não fosse cumprido. Pior, muito pior, nenhum respeito houve nem há pelo percurso da instalação do Conservatório de Música. No ano letivo de 1991/92 a Escola adquiriu o estatuto de “escola oficial de música”, lecionando os cursos de Piano, Guitarra e Flauta de orquestra autorizados pelo GETAP, A primeira direção foi presidida pela Diretora Pedagógica professora Maria Filomena do Lago Saraiva, que já tinha exercido o mesmo cargo no Conservatório da Covilhã, e pelos professores, Vítor Manuel Casanova e José António Carreira Henriques.

O Conservatório funciona hoje nas antigas instalações do ex-Colégio de S. José, entretanto adquiridas pela Santa Casa da Misericórdia da Guarda. Mas o caminho até à instalação do Conservatório nesse espaço arrendado à Santa Casa não foi nada fácil. Os primeiros passos foram dados no ano letivo de 1986/87 devido ao grande número de alunos da Guarda, Vilar Formoso e outras localidades da região que tinham de se deslocar à Covilhã para frequentar as aulas. Foi então iniciado o processo da criação de um “núcleo” na Guarda que se designou “Secção do Conservatório da Guarda”, funcionando provisoriamente no Centro Cultural da Guarda. No ano letivo de 1986/87 a direção foi dirigida pelo professor Vítor Casanova. Mas a permanência no Centro Cultural foi curta. Só a tenacidade de alunos, pais e encarregados de educação conseguiu, de novo, instalações provisórias, agora na antiga Escola do Magistério Primário. Mas por cedência do espaço ao Politécnico da Guarda são de novo “despejados”. Depois de muito calcorrear espaços, uns arrendados, outros cedidos gratuitamente, conseguiu-se no ano letivo de 1990/91 a consecução do CONSERVATÓRIO DA GUARDA.

É justo lembrar o esforço, dedicação e empenho dos professores Vítor Casanova, José António e dos encarregados de educação Alcino Bispo, Vítor Galhano, Neta Fernandes, Vitorino e outros. Não esquecendo a ação da ex-Governadora Civil Marília Raimundo junto do então ministro da educação Roberto Carneiro. Nos anos letivos de 1992/93 e 2004/2005, com Joaquim Pedro Castro como Diretor Pedagógico, foi-se progressivamente conseguindo paralelismo pedagógico nos cursos básicos e mais tarde para o ensino complementar.

Face a este resumo histórico convém, em primeiro lugar, reconhecer o mérito e o trabalho de excelência realizado por alunos, professores, e encarregados de educação. Depois, salientar a excelência da formação conseguida em condições difíceis para uma instituição que devia merecer mais e melhor consideração. Aqui, sim, referir com propriedade a ausência de apoios e o sacrifício de muitos pais e encarregados de educação na aquisição de todo o material. Não confundir com os tais “novos campeões” que tudo têm, desde equipamentos, prémios chorudos das provas em que participam, transporte que lhes é oferecido, etc. Distinguir cidadãos, dando a uns todas as condições e considerando outros de segunda categoria, é próprio de ditadores. Reclamo em nome de um corpo docente de excelência, tanto do anterior como do atual Conservatório, que com pouco consegue fazer muito, evidenciando, mais uma vez, o sacrifício das famílias e o esforço dos alunos, melhores condições e mais e mais apoios. É de salientar que o trabalho realizado pelo Conservatório da Guarda projetou nomes como, Luís Salomé, Diogo Andrade, Pedro Casanova, Duarte Andrade, Rita Morais, Manuel e Pedro Mesquita e Gonçalo Maia quer internamente, quer pelo mundo, enchem salas e realizam trabalho de excelência elevando bem alto o nome da Guarda. E isto, não é dizer mal da Guarda, é só exigir o que temos direito. Pelo menos haja respeito pelo trabalho realizado e pelo que se vai a realizar, que se deem as mesmas condições a todos os cidadãos, incluindo um espaço condigno e se reconheça o valor a quem o merece, desde a sua génese até ao presente. Fartos de tanta hipocrisia!


(Crónica, jornal "O Interior" - 8 setembro 2025)