terça-feira, abril 28, 2015

Ponto de Vista

Quando vejo, leio e ouço louvores quase unânimes à comissão parlamentar de inquérito ao caso BES, fico preocupado.
Não porque se tenha tornado um lugar-comum afirmar que a comissão fez o seu trabalho o melhor que pôde e que soube. Mas sim porque, de facto, a comissão limitou-se a fazer aquilo que lhe deixaram fazer.
E por isso, a montanha, se não pariu um rato, andou por lá perto. É que as conclusões confirmam apenas os piores receios que já tínhamos. O rato, esse, a bem dizer, continua à solta.
Ricardo Salgado, apesar de ser considerado internacionalmente o pior gestor do mundo depois de Robert Madoff, continua a comportar-se em Portugal como um rei com dois olhos em terra de cegos.
Num escândalo com a dimensão que se conhece, que causou à sociedade danos de milhares de milhões, porque não há ainda contas congeladas ou património confiscado? E sabendo-se que o Estado está sempre um passo atrás das manigâncias financeiras, mundo obscuro onde é facílimo esconder ou manipular números, por que razão não há ainda gente detida?
Ou isso só vai acontecer quando tiverem desaparecido todas as provas?
Não é assim de estranhar que sejam cada vez menores as esperanças de virmos a conhecer uma explicação credível para tudo o que aconteceu…
Ricardo Salgado conseguiu sair de todo este caos tão ou mais rico do que antes, livrando-se pelo meio dos graves problemas penais que enfrentaria noutros países.
Foi ao Parlamento depor e aí discursou com sobranceria, desprezando os deputados e os lesados de mais este escândalo financeiro, conseguindo nada esclarecer.
Mas não foi o único.
Zeinal Balva, outro artista do circo, conseguiu reduzir a comissão a um bando de principiantes!
A pergunta que emerge, perante tudo o que se passou, é: que trunfos terão Salgado, Bava e outros, para poderem agir com tanta arrogância e impunidade?
Ficaram por fazer perguntas cirúrgicas, destinadas a clarificar o papel de certos atores da política e da Administração Pública.
Continuamos sem perceber como foi possível o BES ter transferido para Angola três mil milhões de euros, na maior operação de fuga de capitais que se conhece, mesmo debaixo do nariz do Banco de Portugal.
E sem saber qual o papel desempenhado neste escândalo pelas pessoas que, no governo, autorizaram o abate ilegal de sobreiros para viabilização do negócio imobiliário da ‘Vargem Fresca’, uma das jóias da família Espírito Santo…
Continuamos também a desconhecer a identidade dos portugueses subornados aquando da compra de submarinos intermediada pela ESCOM.
Ou o teor da intervenção do ex-ministro Miguel Relvas na privatização da EDP e qual a sua ligação ao BES.
Ou as verdadeiras razões para ter sido o BES a financiar os estudos de Durão Barroso em Georgetown.
Finalmente, continua por explicar convincentemente o papel desempenhado pelo BES nas muitas parcerias público-privadas, tão ruinosas para o Estado e para o futuro dos nossos filhos e netos.
E se perguntarmos para onde foi o dinheiro proveniente de tanto negócio obscuro, então é que nos apercebemos de como tanta coisa ficou por explicar.
Perante uma Comissão Parlamentar de Inquérito obsequente, Salgado fez o seu número.
As perguntas pareciam escolhidas por si. Assumiu um ar professoral e usou os deputados como figurantes das suas manobras para influenciar e manipular a opinião pública.
Só poderia haver uma razão para Salgado para ter sido permitido agir deste modo: ter poder, muito poder, ter na sua lista de pagamentos – em avenças, favores, prebendas, empréstimos sem garantias ou outros privilégios – muitos políticos e seus familiares…
A esta situação a que chegámos assentam que nem uma luva as palavras de um livro intitulado “Como se Levanta um Estado”. Oiçam só: “E como é da essência mesma do poder procurar manter-se, haverá sempre um número mais ou menos grande de princípios que o poder não deixará discutir, isto é, a propósito dos quais a liberdade não existe”.
Nem de propósito, o autor do livro chamava-se António de Oliveira Salazar…
Tenham um muito bom dia.


(Crónica na Rádio F – dia 27 de Abril de 2015)