Desde há muito que a escola deixou de
ser a principal e única instituição responsável pela formação de crianças,
jovens e adultos. O binómio que caracterizou a escola do século passado, aluno/professor,
foi completado com outro elemento estruturante: a sociedade. E, para que um
cidadão se forme na sua plenitude, deve, para além da aprendizagem cognitiva,
fazer a aprendizagem para a cidadania.
Ora, as transformações sociais
resultantes das alterações dos contextos políticos, culturais e económicos fizeram
com que a escola seja hoje uma instituição em crise. Crise que é filha daquela que
assola a sociedade: falência progressiva dos apoios sociais aos estudantes e às
famílias, desmoronamento da estrutura familiar, injustiça social, desemprego, pobreza,
ignorância e descrença no sistema político.
A escola é e será sempre, por definição,
um dos pilares básicos dos sistemas políticos, premissa ainda mais válida
quando falamos de democracia. Por isso a decadência da escola é meio caminho
para um futuro regime autoritário.
É neste contexto que surgem os chamados
mega agrupamentos e, mais recentemente, os giga agrupamentos. Por razões puramente
ideológicas e economicistas é que se olha para a escola como uma despesa do
presente, e não como um investimento no futuro.
A par de uma democracia interna que há
muito deixou de existir nas escolas, visível nos campos paradigmático, político
e organizacional. Os mega agrupamentos, assentes na ideia de poupança, vieram apenas
acentuar os problemas já existentes.
Para começar, perda de proximidade. O aluno deixa de ser aquela pessoa que
está integrado na comunidade educativa que o conhece e reconhece.
O aluno perde identidade própria e passa a ser simplesmente mais um
número. Um número que se ignora facilmente. Dificilmente terá o acompanhamento
escolar, social e económico adequado à referenciação que ainda é feita nas
escolas atuais. Dilui-se ou desaparece o esforço de aprendizagem da cidadania
através de virtudes e valores comuns, próprio das pequenas comunidades. Falecem
os reais objetivos da escola, que consistem na formação de cidadãos
responsáveis. Por esta via, da massificação progressiva e anónima, liquida-se o
sentimento de pertença a uma determinada instituição, a uma cultura específica
e a uma tradição única. Esmorecem a auto estima, a lógica do mérito e o sentido
de valorização pessoal e comunitário, próprios dos pequenos universos e tão
importantes no combate contra o abandono escolar, a saída antecipada ou a saída
precoce do sistema.
Por seu lado, o professor, como já acontece no privado, terá mais de 500
alunos, ainda mais turmas e vários ciclos de estudos. Isto implica
necessariamente menos tempo para cada um dos esforços, menor motivação, e uma
cada vez menor qualidade do ensino.
Já se imaginou um funcionário a ter a responsabilidade de orientar
centenas de crianças e jovens.
Restringe-se a participação dos pais e encarregados de educação na
participação e acompanhamento do percurso escolar dos seus educandos.
Depois, enquanto os países do norte da Europa criam novas e independentes
escolas a partir dos 600 ou 700 alunos, nem que seja na rua em frente, vamos
acrescentar dificuldades de gestão e de coesão à crise já existente.
Sim, porque termos agrupamentos de 2, 3 ou 4 mil alunos, é coisa antes
nunca vista.
Autênticos armazéns de alunos.
Armazéns que agrupam escolas de várias tipologias. Onde se mistura tudo:
desde o pré-escolar até ao secundário.
Contudo, o
modelo de gestão será o mesmo das escolas não agrupadas. Ou seja, com exceção
das escolas sede, as outras funcionarão, em regra, sem direção, conselho geral,
conselho pedagógico, coordenadores de departamento, representantes de grupos
disciplinares, coordenadores de diretores de turma e serviços administrativos.
Será um modelo bem anarca e lusitano.
Mais uma vez, encontramo-nos perante um experimentalismo de base
ideológica, temerário e perigoso. Diria mesmo, irresponsável. Sou dos que
pensam que só por má-fé ou por ignorância é possível encontrar nesta solução
algo de benéfico para o funcionamento das escolas.
Repare-se que nunca, durante este
processo, se procedeu a uma auscultação direta dos mais interessados: a
comunidade educativa.
Saberá esta gente que os quatro
subsistemas que determinam o abandono escolar são precisamente, a escola, o
aluno, a família e o meio envolvente.
Não, não sabem.
Se soubessem teriam ouvido as suas
opiniões antes de avançarem com tal ideia estapafúrdia.
Num país em que a democracia se encontra
agónica, isso até nem é de espantar. Assim como não me estranha que o nosso
governo, para não destoar de tantas outras coisas que anda a fazer ao país, se
limite a lançar o caos sobre as escolas e sobre a vida dos jovens portugueses, respetivas
famílias e restante comunidade educativa. Espanta-me, isso sim, a indiferença
generalizada de pessoas e entidades locais. Sobretudo entidades. Entidades
eleitas por pessoas.
De facto, quando no concelho da Guarda vão surgir dois mega agrupamentos,
não assistimos, sobretudo por parte da autarquia, qualquer tipo de contestação
ou de dúvida. A ideia foi recebida de bom grado.
Ao contrário de outras edilidades,
onde a contestação foi notória, e onde se partiu para a figura da providência
cautelar.
Esta passividade não é inocente. De facto, esta autarquia atuou da mesma
forma no dossier das portagens. Ou no
da partição das obras do novo hospital em fases, com os resultados que estão à
vista de todos. Ou em tantos outros casos que aqui não cito, apenas por falta
de tempo. Está na matriz genética desta autarquia o nada fazer. Que é, afinal o
mesmo que fazer alguma coisa, mas sempre mal.
De facto, uma
escola que forme cidadãos esclarecidos, críticos e participativos, é coisa que
não interessa aos vários poderes instalados.
A ausência de
sentido democrático na ação educativa tende a ser ocupado com propostas fundamentalistas
e integristas que representam um retorno à ideia dos fins últimos e sagrados
que não se discutem e que se impõem às pessoas.
(crónica na rádio F - 28 de janeiro 2013)