Hoje, a mentira faz parte de muito do discurso político oficial.
Os que dizem que nos governam vão-nos impingindo soluções já gastas e sempre, mas sempre, com um único objectivo: castigar as classes sociais mais frágeis.
Os poderosos, os que fizeram tudo para que esta e outras crises nos atormentem, esses ficam a glorificar o aldrabão de feira.
Recordo-as, também, pela indiferença com que um País inteiro se deixou embalar.
Mentiras que circulam à velocidade da luz. Tudo o que foi dito e repetido em folhetos de campanha eleitoral, esquece-se e, pior, faz-se exactamente o contrário.
Não se aumentavam os impostos. Aumentam-se os impostos.
Aumenta-se a idade da reforma nos funcionários públicos.
Congelam-se os salários até ao ano, a perder de vista.
A receita para a crise é sempre a mesma. Podiam inovar, mas não sabem, não querem.
O Governo vai congelar as prestações não contributivas e reduzir a despesa com prestações sociais. Ou seja, nos anos em que a crise vai, ainda, ser mais grave para a maioria dos portugueses, mais e mais desemprego, mais e mais propinas, mais e mais aumento do endividamento (quem ainda o pode fazer), mais e mais falências, mais e mais aumento do preço dos medicamentos, das taxas hospitalares, mais e mais custo de vida, cortam-se nos míseros apoios sociais.
Quem suporta tamanha grandeza de sacrifícios?
Os mesmos de sempre.
Só um coio de aldrabões que manteve sempre que o deficit era de 2,8, até às eleições, agora, dá o dito por não dito e diz que já é só de 9%.
Tal facto obriga a ditadura financeira de Bruxelas a exigir um Plano de Estrangulamento dos Cidadãos (PEC).
Vão retirar as medidas excepcionais de apoio ao emprego e baixar o valor do subsídio de desemprego, porque, espanto dos espantos, segundo eles, deste modo, os desempregados podem "com maior rapidez regressar à vida activa".
Argumentos falaciosos e hipócritas.
Regressar como e onde? Só se for para a emigração. Destino trágico de um povo a quem tudo lhe tiram. Até o direito a ter uma Pátria onde possam trabalhar.
Ou então, se já não se tiver idade para emigrar, regressar com outros ordenados, mais baixos dos que os que já tiveram antes de caírem na situação de desempregado.
E os benefícios fiscais, por exemplo os retirados por este governo em 2007, aos cidadãos portadores de deficiência?
Um Governo que prometeu compensar a perda de direitos desta população com políticas de inclusão alternativas. Desde então, das tais medidas anunciadas, nem sinal.
Mentiras e mais mentiras.
Apenas o tratamento fiscal em pé de quase igualdade entre quem não tem e quem tem que suportar sozinho os muitos custos decorrentes de ser portador de uma qualquer deficiência.
E, quanto à tributação das mais-valias, outra das medidas emblemáticas do programa, só será aplicada quando o quadro financeiro estiver estabilizado, dizem.
Ou seja, a mais-valia sobre a especulação bolsista, lá colocada para fingirem que a crise custa a todos, fica adiada para melhores dias.
Então a crise é mesmo só para alguns.
Bem de ver.
Imagina um qualquer governante, o desespero de quem fica sem trabalho e tem uma casa, filhos, compromissos, créditos para pagar?
Nunca passou por isso nem nunca soube o que é viver com ordenados mínimos para poder imaginar seja o que for.
Pensa em números e esquece-se do que representam pessoas.
Esquece-se ou está-se nas tintas que ainda é pior.
O mesmo Governo que, em representação do Estado, já perdoa a tributação das transacções com offshore, com as quais os ricos e poderosos do país se recriam na prática de crimes como a evasão fiscal ou o branqueamento de capitais, vai agora permitir, a troco de uma declaração daquilo que quiserem confessar que têm em paraísos fiscais e de uma taxa de cinco por cento sobre esse valor, que as empresas apanhadas na operação furacão não apenas limpem a sua ficha tributária, como ainda a sua ficha criminal.
Vergonhoso.
Dizem-nos ou querem-nos fazer acreditar que não há outra solução.
Há solução, sim senhor.
Bastava que houvesse vontade política de retirar todos os benefícios fiscais às empresas que apresentaram lucros superiores a 250 milhões de euros em 2009, para que fossem tributadas à taxa máxima, a receita cresceria 1500 milhões de euros.
Bastava limitar a consultadoria jurídica externa, a que o Governo vem recorrendo, sem qualquer justificação a não ser a de encher os bolsos dos escritórios de advogados «amigos» para, de imediato, reduzir a despesa em 189 milhões.
Bem mais do que a sangria prevista com a redução de benefícios fiscais às classes tratadas como “médias” pelo Plano, o tal PEC, que põem em pé de igualdade despesas com seguros de saúde privados, PPRs ou o colégios de meninos com as despesas com habitação, saúde e educação daqueles que contam os tostões nos últimos dias de cada mês.
Mas, não se julgue que a mentira, o «dar o dito por não dito» é exclusivo do poder central.
Nada disso.
No quintal da paróquia, o executivo camarário da Guarda acertou com os trabalhadores do município, a 3 de Dezembro de 2009, que iriam passar de posição remuneratória através da opção Gestionária. Nada de excepcional pois, a Lei 12-A/2008 de 27 de Fevereiro prevê, precisamente, a possibilidade de as Autarquias Locais deliberarem sobre a mudança de posição remuneratória aos trabalhadores que obtenham classificação de Bom em cinco anos, de Excelente em dois e de Muito Bom em três anos.
Tudo isto foi devidamente acertado com os trabalhadores, repetimos.
Só que, o presidente da câmara Joaquim Valente numa reunião de 17 de Fevereiro de 2010 vem dizer que já não iria respeitar o acordo feito.
Afinal, rasgam-se compromissos acertados, em menos de dois meses? Mente-se e dá-se o dito por não dito? Quem pode acreditar nesta gente? Nesta e na outra, que são farinha do mesmo saco.
O exemplo do chefe projectado, na íntegra, no quintal, ou seja na câmara da Guarda.
Os péssimos exemplos a serem fielmente seguidos.
Lembro, neste tempo de patranhas, as palavras de Almada Negreiros:
«Portugal é um país decadente: porque a indiferença absorveu o patriotismo.
O português como todos os decadentes, só conhece os sentimentos passivos: a resignação, o fatalismo, a indolência, o medo do perigo, o servilismo, a timidez e até a inversão.
É preciso destruir este nosso atavismo alcoólico e sebastianismo, de beira-mar.
O povo completo será aquele que tiver reunido no seu máximo todas as qualidades e todos os defeitos.
Coragem, portugueses, só vos faltam as qualidades.»
( Artigo publicado no jornal «O Interior», no dia 25 de Março de 2010)