terça-feira, janeiro 29, 2013

Os patetas do costume


 
Desde há muito que a escola deixou de ser a principal e única instituição responsável pela formação de crianças, jovens e adultos. O binómio que caracterizou a escola do século passado, aluno/professor, foi completado com outro elemento estruturante: a sociedade. E, para que um cidadão se forme na sua plenitude, deve, para além da aprendizagem cognitiva, fazer a aprendizagem para a cidadania.

Ora, as transformações sociais resultantes das alterações dos contextos políticos, culturais e económicos fizeram com que a escola seja hoje uma instituição em crise. Crise que é filha daquela que assola a sociedade: falência progressiva dos apoios sociais aos estudantes e às famílias, desmoronamento da estrutura familiar, injustiça social, desemprego, pobreza, ignorância e descrença no sistema político.

A escola é e será sempre, por definição, um dos pilares básicos dos sistemas políticos, premissa ainda mais válida quando falamos de democracia. Por isso a decadência da escola é meio caminho para um futuro regime autoritário.

É neste contexto que surgem os chamados mega agrupamentos e, mais recentemente, os giga agrupamentos. Por razões puramente ideológicas e economicistas é que se olha para a escola como uma despesa do presente, e não como um investimento no futuro.

A par de uma democracia interna que há muito deixou de existir nas escolas, visível nos campos paradigmático, político e organizacional. Os mega agrupamentos, assentes na ideia de poupança, vieram apenas acentuar os problemas já existentes.

Para começar, perda de proximidade. O aluno deixa de ser aquela pessoa que está integrado na comunidade educativa que o conhece e reconhece.

O aluno perde identidade própria e passa a ser simplesmente mais um número. Um número que se ignora facilmente. Dificilmente terá o acompanhamento escolar, social e económico adequado à referenciação que ainda é feita nas escolas atuais. Dilui-se ou desaparece o esforço de aprendizagem da cidadania através de virtudes e valores comuns, próprio das pequenas comunidades. Falecem os reais objetivos da escola, que consistem na formação de cidadãos responsáveis. Por esta via, da massificação progressiva e anónima, liquida-se o sentimento de pertença a uma determinada instituição, a uma cultura específica e a uma tradição única. Esmorecem a auto estima, a lógica do mérito e o sentido de valorização pessoal e comunitário, próprios dos pequenos universos e tão importantes no combate contra o abandono escolar, a saída antecipada ou a saída precoce do sistema.

Por seu lado, o professor, como já acontece no privado, terá mais de 500 alunos, ainda mais turmas e vários ciclos de estudos. Isto implica necessariamente menos tempo para cada um dos esforços, menor motivação, e uma cada vez menor qualidade do ensino.

Já se imaginou um funcionário a ter a responsabilidade de orientar centenas de crianças e jovens.

Restringe-se a participação dos pais e encarregados de educação na participação e acompanhamento do percurso escolar dos seus educandos.

Depois, enquanto os países do norte da Europa criam novas e independentes escolas a partir dos 600 ou 700 alunos, nem que seja na rua em frente, vamos acrescentar dificuldades de gestão e de coesão à crise já existente.

Sim, porque termos agrupamentos de 2, 3 ou 4 mil alunos, é coisa antes nunca vista.

Autênticos armazéns de alunos.

Armazéns que agrupam escolas de várias tipologias. Onde se mistura tudo: desde o pré-escolar até ao secundário.

Contudo, o modelo de gestão será o mesmo das escolas não agrupadas. Ou seja, com exceção das escolas sede, as outras funcionarão, em regra, sem direção, conselho geral, conselho pedagógico, coordenadores de departamento, representantes de grupos disciplinares, coordenadores de diretores de turma e serviços administrativos. Será um modelo bem anarca e lusitano.

Mais uma vez, encontramo-nos perante um experimentalismo de base ideológica, temerário e perigoso. Diria mesmo, irresponsável. Sou dos que pensam que só por má-fé ou por ignorância é possível encontrar nesta solução algo de benéfico para o funcionamento das escolas.

Repare-se que nunca, durante este processo, se procedeu a uma auscultação direta dos mais interessados: a comunidade educativa.

Saberá esta gente que os quatro subsistemas que determinam o abandono escolar são precisamente, a escola, o aluno, a família e o meio envolvente.

Não, não sabem.

Se soubessem teriam ouvido as suas opiniões antes de avançarem com tal ideia estapafúrdia.

Num país em que a democracia se encontra agónica, isso até nem é de espantar. Assim como não me estranha que o nosso governo, para não destoar de tantas outras coisas que anda a fazer ao país, se limite a lançar o caos sobre as escolas e sobre a vida dos jovens portugueses, respetivas famílias e restante comunidade educativa. Espanta-me, isso sim, a indiferença generalizada de pessoas e entidades locais. Sobretudo entidades. Entidades eleitas por pessoas.

De facto, quando no concelho da Guarda vão surgir dois mega agrupamentos, não assistimos, sobretudo por parte da autarquia, qualquer tipo de contestação ou de dúvida. A ideia foi recebida de bom grado.

 Ao contrário de outras edilidades, onde a contestação foi notória, e onde se partiu para a figura da providência cautelar.

Esta passividade não é inocente. De facto, esta autarquia atuou da mesma forma no dossier das portagens. Ou no da partição das obras do novo hospital em fases, com os resultados que estão à vista de todos. Ou em tantos outros casos que aqui não cito, apenas por falta de tempo. Está na matriz genética desta autarquia o nada fazer. Que é, afinal o mesmo que fazer alguma coisa, mas sempre mal.

De facto, uma escola que forme cidadãos esclarecidos, críticos e participativos, é coisa que não interessa aos vários poderes instalados.

A ausência de sentido democrático na ação educativa tende a ser ocupado com propostas fundamentalistas e integristas que representam um retorno à ideia dos fins últimos e sagrados que não se discutem e que se impõem às pessoas.

(crónica na rádio F - 28 de janeiro 2013)