Nos dias de hoje o que
está a dar é ser-se burlão, aldrabão e vigarista.
O caso não é de hoje, nem de ontem. Atá já houve em tempos, não
muito remotos, um peditório nacional a favor da mulher do soldado
desconhecido.
A ética não existe nesta canalha.
Eu disse ética, não disse moral porque são coisas bem
diferentes.
É de ética que falo, ou seja do conjunto de normas que devem
regular a atividade humana.
Para
uns, profissionais da coisa considero-os burlões de primeira. Para eles será
apenas uma forma de vida.
Para
outros, oportunistas de circunstância, mais a modos que burlões de segunda,
acontece porque teve de ser.
Para
ambos, a ética é coisa que só atrapalha.
Vem
tudo a propósito de recentemente termos sido confrontados com a história de um
burlão de primeira, de seu nome Artur Baptista da Silva, mais um Silva, que se
fez passar por «colaborador» das Nações Unidas e que, nessa qualidade, chegou a
participar em programas televisivos de grande audiência.
Depois
de desmascarado, esse burlão de primeira, com uma história pessoal recheada de
crimes e trafulhices, visitante algo assíduo da cadeia, veio justificar-se com
o argumento de ser, apesar de tudo, menos burlão que muitos outros.
Disparou
direitinho sobre os burlões de segunda, invocando os 50 maiores devedores do
BPN, culpados de terem na prática burlado o estado português, ou seja, todos
nós, num montante equivalente a 1% do PIB.
Atirou também a matar sobre um outro
grupo de burlões de segunda, isto é, aqueles que transferem capitais para
paraísos fiscais, aproveitando depois as janelas de oportunidade, concedidas
por um sistema corrupto, para, a troco do perdão do crime cometido, pagarem
apenas uma taxa de 7,5% de imposto, um terço do valor pago por qualquer cidadão
português cumpridor.
O problema é que o burlão de primeira
está cheiinho de razão. Ele percebeu bem que a sua moral é diferente da moral
dos burlões de segunda, acoitados no BPN, nos sucessivos governos, e em muitos
outros lugares ou instituições do nosso país.
A moral deste burlão de primeira assenta
no pressuposto de que ele rouba pouquinho a poucos, e apenas para sobreviver.
E ainda por cima gasta tudo o que rouba
cá dentro.
Ao invés, a moral dos outros burlões, os
de segunda, que são gente mais fina, fundamenta-se no princípio de que é
legítimo roubar muito a muita gente, para o sistema conseguir sobreviver.
Para nossa desgraça, colocam a maioria
do que roubam lá fora.
O burlão de primeira percebeu que tinha
de roubar pouco e de fabricar engenhosamente uma qualquer legitimidade, que
mais não seja por ter consciência que burlava sozinho e tinha o mundo inteiro
contra si.
Esse burlão, que percebe melhor do que
qualquer um de nós o que é a psicologia da vigarice, sabe que os outros, os do
BPN e do governo, ao contrário, recebem a sua legitimidade de bandeja, por via
das urnas.
E tem consciência que, protegendo-se
religiosamente uns aos outros, nunca estão sozinhos quando roubam coletivamente
o mundo inteiro.
Por isso quando ouço as diatribes de um
Passos Coelho não consigo deixar de me lembrar da célebre frase proferida por
um dos maiores burlões de todos os tempos, o ministro da propaganda nazi,
Joseph Goebbels, de que uma mentira repetida mil vezes torna-se numa verdade.
Essa frase lapidar e histórica nunca foi
tão verdadeira e tão perigosa como nos dias de hoje.
Vejam-se as duas comunicações que Passos
Coelho fez pelo Natal.
De facto, vivemos tempos em que o nosso
primeiro-ministro tem a lata de afirmar, à medida que a sociedade se desagrega
e o país se afunda inexoravelmente, que «ainda não podemos declarar vitória
sobre a crise, mas estamos muito mais perto de o conseguir».
Aliás, quando ouço inflamadas e
patéticas declarações desse tipo, já não é só Goebbels que recordo, é o célebre ministro da propaganda de Saddam Hussein que
garantia estar o Iraque a esmagar as tropas americanas às portas de Bagdad.
Ficou conhecido pelo nome
de "Ali, o cómico", embora os iraquianos não lhe devam ter
achado graça absolutamente nenhuma.
Perante um tempo destes, enxameado de
burlões dos mais diversos tipos, na maioria dos casos enfadonhos e sem brilho,
não consigo deixar de olhar para o nosso imaginativo burlão de primeira como
uma espécie de Robin dos Bosques da vigarice, uma verdadeira luz na escuridão!
Acho mesmo que o seu percurso deveria ter
direito, quiçá a tema de tese de algum mestre, um caso de estudo nas nossas
escolas, para pelo menos reduzir um dia as probabilidades de continuarmos a ter
nos sucessivos governos apenas burlões de segunda.
Uns burlões ecos de primeira sempre
dariam mais colorido à coisa, demasiado acinzentada com Relvas e quejandos.
É que nos tempos que correm, em que
temos como certo que hão-de ser sempre burlões a conduzir-nos, precisamos mesmo
é de acreditar em algo que nos anime.
E o segredo está em sabermos retirar
forças daquilo que só aparenta desgraça.
Pois bem, os
portugueses podem começar a consolar-se com a ideia de sermos um dia governados
apenas por burlões de primeira, os tais que roubam pouco e pelo menos gastam
tudo cá dentro. É que sempre ganhava a nossa economia. E não é isso mesmo que
um tal de Passos Coelho nos tem andado a prometer?
Já agora, a não perder por nada, mais um
folhetim à moda do simplesmente Maria de há uns anos, desta vez ao vivo e a
cores, nada de facebook a fazer por um senhor que por acaso também é Silva, mas
Cavaco.
Dizem que é de Ano Novo.
Só se for para ele.
(Crónica na rádio F, dia 31 de dezembro de 2012)