sexta-feira, maio 07, 2010

Dignidade, exige-se.

Mais um aniversário do 25 de Abril.
Cada vez mais, as comemorações são a repetição exaustiva das já gastas cerimónias dos protocolos.
Os regulamentos, de tão repetidos, já soam a vazio. Vazio de ideias e de concretizações.
De cada vez que há mais um aniversário o país fica suspenso. Aguarda-se o discurso, para uso interno do presidente da República.
Este ano, repetiu-se a suspensão.
E, mais uma vez, ninguém se sentiu atingido pelas críticas, pelas análises do social e do económico.
Mas, já nada disto é de estranhar.
Estranha-se, isso sim, o facto de na última visita oficial do presidente Cavaco à República Checa ter ouvido de viva voz, em cerimónia protocolar, um ataque violento à dignidade dos portugueses. Sim, bem sei que o deficit não é culpa dos portugueses. Mas, e precisamente por isso, exigia-se da parte do presidente da República um veemente protesto pela forma abusiva, bacoca como um presidente que se vergou e calou perante a ditadura comunista veio atingir a dignidade de um povo que tudo tem feito, o que lhe é possível e impossível, com custos enormes da sua condição humana para evitar o aumento do deficit. Assim, foi vilipendiado sem que um presidente, dito representante de todos os portugueses, tivesse dito o quer que fosse. O mínimo que se exigia era que de imediato manifestasse a nossa repulsa e abandonasse a visita como desagravo por tudo quanto se tinha passado. Pior é que o anfitrião não satisfeito com a primeira investida voltou numa outra oportunidade a reiterar as críticas ao nosso país. Assistiu um país atónito a um engolir em seco perante tais desaforos de um presidente checo.
Uma é de mais; duas vezes é pulhice.
O respeito, a consideração que conquistámos logo a seguir ao 25 de Abril de 1974, perdeu-se. O país voltou aos tempos da ditadura em que a comunidade internacional não nos considerava, em que o povo português era considerado como a mão-de-obra barata pronta para desempenhar todo e qualquer serviço que os europeus não desejavam. Um país em que os governantes usavam os discursos para entretenimento interno enquanto, lá por fora, as instâncias internacionais se iam rindo das patéticas manobras das obras, sempre com cerimoniais bacocos e podres. Quem se pode admirar deste regresso às péssimas épocas de incompetentes governantes que só pensavam nos chapéus que lhes cobriam as carecas?
Hoje, com tantos e tantos escândalos sem julgamento à vista, sem culpados. Com uma justiça que absolve os poderosos e condena os fracos.
O que se espera?
Um cidadão que denuncia às autoridades que foi alvo de tentativa de suborno.
Que colabora com a polícia em tudo e, tudo é deitado ao lixo por uns senhores juízes, doutos, que dizem que não e, que não, que o corrupto não podia corromper porque o presumível corrompido nada valia na hierarquia dos poderes.
Que a corrupção imobiliária é a que todos nós, que vivemos nas vilas, cidades deste país vão assistindo ao nível das câmaras com o maior volume de corrupção, com 69% dos casos.
Assim, é fácil falar, com veemência, cá para dentro, ser pesaroso e deixar desacreditar uma nação.
Agora quando se trata de defender os portugueses onde quer que seja, calam-se.
Como sempre uns cobardes, que uma democracia os viu crescer à sombra dos coqueiros, nas praias dos tomates.
Recordo Maquiavel na linha do que pensou e escreveu sobre a política e os políticos. Aqui o evocamos neste jogo da política, misto de paixões e de interesses opostos de que a dissimulação constitui uma das regras essenciais.
Mas esta natureza convém saber colori-la, ser-se grande fingidor e dissimulador; e são tão simples os homens, e obedecem tão bem às necessidades presentes, que aquele que engane, sempre há-de ter quem se deixe enganar. A um Príncipe não é pois necessário que possua as sobreditas qualidades, sendo porém de grande precisão o parecer tê-las (…). Como de parecer piedoso, fiel, humano, generoso, e até sê-lo; impõe-se-lhe porém ter o espírito instruído de tal modo que, sendo preciso não ser tais coisas, possa e saiba tornar-se o contrário delas.
Ninguém é inocente.
(Artigo publicado no jornal "O Interior", dia 6 de Maio de 2010)