sábado, novembro 18, 2006

Carta daqui


Amig@s
Pedem-me notícias destas paragens.
Mas à memória veio-me esta passagem de «Os Novos Contos da Montanha» de Miguel Torga:
«Escrevo-te da Montanha, do sítio onde medram as raízes deste livro. Vim ver a sepultura do Alma Grande e percorrer a via sacra da Mariana. Encontrei tudo como deixei o ano passado, quando da primeira edição destas aventuras. Apenas vi mais fome, ignorância e mais desespero.
Corre por estes montes um vento desolador de miséria que não deixa florir as urzes nem pastar os rebanhos.
O social juntou-se ao natural, e a lei anda de mãos dadas com o suão a acabar de secar os olhos e as fontes.
Crestados e encarquilhados, os rostos dos velhos parecem pergaminhos milenários, onde uma pena cruel traçou fundas e trágicas legendas.
Na cara lisa dos novos pouca mais esperança há.
Ora eu escritor, como sabes. Poeta, prosador, é na letra redonda que têm descanso as minhas angústias.
Mas nem tudo se imprime.
Ao lado do soneto ou do romance que a máquina estampa, fica na alma do artista a sua condição de homem gregário. E foi por isso que fiz aqui uma promessa que te transmito: que estava certo que tu, habitante dos nateiros da planície, terias em breve compreensão e amor pela sorte áspera destes teus irmãos.
Que um dia virias ao encontro da aridez e da tristeza contidas nas suas fragas, não como leitor do pitoresco ou do estranho, mas como sensível criatura tocada pela magia da arte e chamada pelos imperativos da vida.
Prometi isso porque me senti humilhado com tanto surro e com tanta lazeira, e envergonhado de representar o ingrato papel de cronista de um mundo que nem me pode ler.
Tomei o compromisso em teu nome, o que quer dizer em nome da própria consciência colectiva.
Na tua ideia, o que escrevo, como por exemplo estas histórias, é para te regalar e, se possível for, comover.
Mas quero que saibas que ousei partir desse regalo e dessa comoção para te responsabilizar na salvação da casa que, por arder, te deslumbra os sentidos.»

Amig@s o texto transcrito traduz o sentimento, a revolta, a indignação, a dor e o apelo de todos aqueles que por estas paragens, ainda acreditam que tudo tem de mudar.