terça-feira, outubro 10, 2006

O menino de coro


Nuno Ramos de Almeida escreve no editorial do ESQUERDA, que «Como um verdadeiro menino do Beato, o primeiro-ministro, José Sócrates, também tem um compromisso para Portugal. Resta saber se é diferente da receita que, com a candura habitual, defenderam os empresários reunidos no convento. Ou melhor dizendo, não proferem em voz alta os poderosos do Beato, o mesmo que pensa, em voz baixa, José Sócrates? No fundo, todos, a seu ritmo e a seu tempo, não propõem mais do que privatizar, despedir e cortar as despesas sociais
Melhor exemplo encontramo-lo nas propostas de Sócrates para a segurança social.

Todos já estamos fartos de saber que as pensões do subsistema previdencial representam hoje cerca de 5,5% do PIB.

Em 2010, serão 6%.

Em 2015, 6,6%.

Essa dinâmica aponta para quase 10% do PIB em 2050, se não se fizer nada.

Então, o que fazer.


A reforma do governo Sócrates assenta em dois pontos-chave:
a) A antecipação da aplicação de nova fórmula de cálculo das pensões


– A aplicação imediata da nova fórmula de cálculo das pensões levanta dois problemas. Se é verdade que a nova fórmula é mais justa e diminui as arbitrariedades e o planeamento das contribuições, a sua aplicação sem período de transição põe em causa pensões que passam a ser formadas com salários de antes do 25 de Abril e resulta numa redução dos valores esperados. Não se trata, portanto, de um ajustamento neutro. A diminuição média do valor das pensões em relação ao que seria no anterior regime ascende a 12% para trabalhadores que se reformem em 2030.


b) A introdução do factor de sustentabilidade


– O factor de sustentabilidade consiste num rácio entre a esperança média de vida na idade da reforma hoje e o mesmo valor para o ano em que cada trabalhador se reforme. Com o aumento estimado da esperança média de vida, a multiplicação do valor da pensão por este factor conduz à redução das pensões que vai de 5,3% para trabalhadores que se reformem em 2016 até 18,2% em 2046.


A alternativa é o adiamento progressivo da idade de reforma.


Contra esta realidade, José Sócrates tem argumentado que não se trata de uma diminuição das pensões mas sim da “redução do seu aumento”.

O argumento é requintado: José Sócrates fala da comparação entre as pensões actuais e as pensões que forem formadas no novo regime, mas a partir de rendimentos (e contribuições), que são substancialmente superiores.


A única comparação que tem sentido é, no entanto, a comparação entre os valores das pensões que serão afectadas por estas medidas tal como resultariam do anterior regime e do actual regime.

O resultado dessa comparação é de que os cortes médios podem ascender a 23% (valor da redução para quem se reformar em 2030).


A sustentabilidade será paga pelos que trabalharam toda a vida.

A alternativa deveria ser outra.

Os princípios orientadores foram o da actualização das contribuições à realidade actual e o de contribuições solidárias para a sustentabilidade do sistema.

A proposta do Bloco introduz uma taxa sobre o valor acrescentado das empresas de 3,5%, em média. Esta taxa é introduzida em conjunto com uma redução da contribuição das empresas para a Taxa Social Única em 3%.

Com esta medida visa-se estimular a criação de emprego (que também contribui para a sustentabilidade da segurança social), ao diminuir os custos indirectos das empresas com os trabalhadores e impor a contribuição para a Segurança Social a partir de mais de metade do Rendimento Nacional, actualmente inexistente.

A proposta do Bloco inclui ainda a progressividade no sistema, através da criação de uma contribuição adicional de solidariedade 1% a 5% para os que auferem rendimentos mais elevados.

É esta a única escolha que está realmente em causa.

Para lá das propostas mirabolantes da direita, o que sobra é uma proposta do governo que responsabiliza os que sempre contribuíram por uma falência que não é responsabilidade sua e uma proposta do Bloco que assenta num princípio de solidariedade alargado aos rendimentos.

Quem trabalhou uma vida inteira merece melhor que o mal menor.

Ou seja, vamos ter que trabalhar mais, descontar mais para termos uma reforma menor e com menos tempo para a usufruir.

Por isso, os beatinhos estão contentes. O menino do coro deu-lhes uma prenda, ajudou e de que forma, à missa paroquial.

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