domingo, outubro 01, 2006

A Declaração de Bolonha vista sem o "filtro" neo-liberal

Provavelmente alguns dos leitores deste blog já estão a par do verdadeiro carácter do Processo de Bolonha e dirão que já estão fartos de textos a criticar este mesmo processo. No entanto, esta exposição de argumentos é vocacionada para as pessoas cuja única informação que têm sobre Bolonha é aquela "filtrada" pela retórica neo-liberal.

Primeiro que tudo, temos que ver o background do proceso de Bolonha, ou seja, as suas origens: a verdade é que o processo está enquadrado numa ofensiva neo-liberal, ao nível europeu, que pretende privatizar por completo os serviços públicos. Os protagonistas desta ofensiva são vários: UNICE (patronal europeia), OCDE (Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico), a ERT (European Round Table of Industrialists), OMC (Organização Mundial do Comércio), o Acordo Geral sobre Comércio de Serviços (GATS) e, por fim, a Comissão Europeia. Todas estas organizações e acordos preconizam uma lógica de desresponsabilização do Estado sobre os serviços públicos e consequente privatização. A criação do Espaço Europeu para o Ensino Superior (EEES) assenta precisamente nesta lógica. O EEES é uma clara adaptação dos princípios de livre circulação de pessoas e mercadorias presentes nos tratados constitutivos da CEE e o processo de Bolonha reflecte claramente estes princípios.
Por isso, não se deve ver Bolonha como um processo separado e sim como uma parte integrante das políticas neo-liberais da Europa capitalista.
De forma a elaborar uma crítica eficiente, é necessário desmontar o principal argumento que sustenta a defesa da aplicação do processo de Bolonha, a suposta "mobilidade".
Esta tão apregoada "mobilidade" não passa de uma farsa e constitui uma ilusão para os estudantes. Neste momento, é já possível através de vários programas (por exemplo, o programa Erasmus) e, no entanto, apenas 1% dos estudantes portugueses usufrui desta possibilidade. Porquê? Simplesmente, porque não têm dinheiro. Vir falar de "mobilidade" quando grande parte dos trabalhadores portugueses não tem hipótese de sistentar a formação superior dos seus filhos demonstra hipocrisia ou uma grande alienação da realidade social portuguesa.Para fazer uma crítica objectiva do processo de Bolonha, é imperativo fazer uma análise do assunto mais "espinhoso" e objecto de desinformação por parte do governo e dos media: a divisão dos cursos em 2 ciclos.
Na maior parte dos cursos, o 1º ciclo irá corresponder a três anos. É caracterizado por uma formação puramente generalista e insuficiente. O 2º ciclo corresponderá a uma formação mais técnica e especializada. Se é verdade que o 1º ciclo é completamente generalista e incompleto, é também verdade que o 2º ciclo será inacessível a grande parte dos estudantes. A propaganda neo-liberal diz-nos que haverá segundos ciclos de continuidade para todos os cursos e que as propinas não subirão, mas é de realçar que estas garantias vêm dos mesmos mentirosos que no passado nos asseguravam que as propinas não iriam aumentar e no entanto, hoje em dia, pagamos cerca de 900 euros em propinas. Mas, mesmo que estes mentirosos nos digam a verdade e as propinas do 2º ciclo não subam, o que dizem eles das limitações impostas no acesso ao 2º ciclo? Refiro-me às limitações quantitativas (numerus clausus) e qualitativas (médias de acesso).
É um facto que esta divisão em 2 ciclos é uma clara elitização do ensino superior. O 1º ciclo é uma formação insuficiente e o acesso à formação adequada (2ºciclo) será privilégio de alguns.


Outra característica do processo de Bolonha é a implementação do Sistema de Créditos Europeus (ECTS). A aplicação do sistema ECTS estabelece aproximadamente uma carga de 40 horas por semana e entre 1500 e 1800 horas por ano.
Com este sistema, torna-se completamente impossível o estatuto de trabalhador-estudante, além de acabar com a possibilidade de o estudante realizar outras actividades complementares da vida académica.
Este sistema de créditos vem acompanhado de uma filosofia, mais retórica do que real, que surge nas universidades sem que haja formação do aluno nestes novos métodos durante o ensino secundário. Muito provavelmente, este sistema levará também, inevitavelmente, ao despedimento de vários docentes.


Depois desta análise do processo de Bolonha sem o "filtro" de informação da burguesia neo-liberal é legítimo usar um argumento muito simples: Bolonha é a antítese do que deve ser a nossa reivindicação, sendo essa reivindicação um Ensino Público, Gratuito e Universal.
É imperativo, portanto, que repudiemos este processo na sua totalidade e lutemos contra a sua aplicação.

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