quarta-feira, novembro 12, 2025

Ponto de vista

Como deve ser do conhecimento geral, e em particular dos guardenses, no dia 2 de novembro de 2025 tomaram posse os órgãos autárquicos eleitos a 12 de outubro. Uns repetem a dose, outros, poucos, entram para as andanças políticas para se projetarem ou almejarem um lugar ao sol. Há de tudo! Segundo a gíria política foram instalados os eleitos. Espera-se e deseja-se que bem instalados. Depois da célebre e apoteótica leitura de uma frase simples, que alguns adulteraram e outros se engasgaram a lê-la, “juro solenemente por minha honra que cumprirei com lealdade as funções que me são confiadas”, assinaram o livrinho e deu-se a instalação. Seguiram-se os discursos de circunstância de punhos de renda do presidente da Assembleia Municipal e depois em apoteose o discurso do reconduzido presidente de câmara. O ato teve a presença das altas individualidades, de todo o estilo e feitio, sempre habituais nestas ocasiões de salamaleques e de ocasião. Lá esteve o poder religioso, como convém em terra onde o beija-mão ao pontífice é sinónimo de reverência, o poder militar, o poder judicial, o poder comercial e empresarial à dimensão da terra, os mandantes e senhores dos ofícios e artes do ensinamento de todo e qualquer grau e muitas outras personalidades a quem o povo, na sua bondosa e mansa servidão continua a tirar o chapéu e a bajular como senhores feudais. Todos, mas mesmo todos, com lugar marcado e bem marcado nos cadeirões do proscénio. Já o povo foi devidamente arrumado na plateia, com entusiastas e fervorosos apoiantes do poder eleito a formarem uma claque deveras bem ensaiada e a bater palmas ao compasso da sessão. A cada nomeação dos eleitos da trupe a algazarra era enorme. Tudo instalado e bem instado! Nem uma qualquer claque organizada de um clube faria melhor. Só faltaram mesmo as tochas! Descrito o cenário, entram em cena os atores.

Em primeiro lugar o presidente da Assembleia Municipal. Recorre à mitologia grega para justificar que tudo de mal que correu na viagem iniciada em 2021 foi culpa dos deuses. Uma viagem marítima serviu na perfeição o objetivo de glorificar o tempo e o modo. E ao que diz encontraram mares calmos e ventos que enfunaram as velas. Contudo, logo veio-me à memória a frase de Platão, “O que faz andar o barco não é a vela enfunada, mas o vento que não se vê.” Nem a propósito! O vento que não se vê. Mas também houve, nas palavras do orador, ventos agrestes e deuses irritados. Eólo, o deus dos ventos, terá sido devido à sua irritação que não se realizaram obras que proporcionassem melhores condições aos que utilizam o Centro Coordenador de Transportes? Ou das condições em que funciona o Mercado Municipal um desrespeito para todos, vendedores, abastecedores e compradores? Também Poseidon o deus grego do mar, dos terramotos, das tempestades e dos cavalos, se irritou. Terá sido pelo péssimo estado dos transportes públicos? Ou pelo endividamento do município? Nada a estranhar em Poseidon dono de um temperamento instável e violento, considerado um deus vingativo, de comportamento explosivo e humor difícil. Irritado por tanta promessa de residência para estudantes quando cada vez mais reduz o número de alunos no Instituto Politécnico? Hefesto também se irritou. Terá sido pelo desleixo das ruas, praças, do abandono dado ao Parque Urbano do Rio Diz, aos outros parques da cidade e aos acessos às freguesias? Ele que era o deus grego do fogo, dos metais e da metalurgia, conhecido por ser um ferreiro divino e um exímio artesão. E a viagem continuou com velas desfeitas, cais e convés encharcados e incêndios em plenas caravelas. O desleixo e a irresponsabilidade mais que muita. Os deuses irritaram-se pela falta de qualidade de vida dos guardenses. Mas esqueceu-se da cera nos ouvidos. A cera que os marinheiros que acompanhavam Ulisses colocaram nos ouvidos para não serem seduzidos pelo canto das sereias. Mas Ulisses amarrado ao mastro foi o único mortal a ouvi-las. Esqueceu-se propositada ou voluntariamente? Cera foi o que houve mais nestes últimos 4 anos. Nunca se produziu tanta cera. Os viajantes nunca ouviram os clamores, brados e reclamações dos que exigiam mais e melhor navegação. Lembrar que a vida é repleta de contradições e que só o conhecimento é uma questão de ciência, não admite a menor desonestidade ou presunção. Já quanto ao discurso do presidente da Câmara da Guarda foi o continuar de anúncios de toda a ordem e natureza, música celestial para os apaniguados companheiros de estrada, dos apoiantes e comparsas. Um prolongamento do que foi dizendo nas várias sessões da campanha eleitoral. Só o cenário mudou. O futuro o julgará pelas múltiplas promessas, novas e velhas, que muitas delas já se perdem no tempo e no espaço desde 2021. Continuaremos atentos, nós os que civicamente vão a analisar e comentando. Sem amarras nem submissões a quem quer que seja. Queremos e exigimos transparência quando outros covardemente se escondem. Por fim, seria de todo pertinente a atualização face às novas nomenclaturas no âmbito escolar. Por diversas vezes no discurso utilizou a expressão «escolas primárias»! Atualize-se! Já não se designam «escolas primárias» são escolas do primeiro ciclo. Veja se entende. Pode parecer a alguns um pequeno pormenor. Não, não é. Diz muito do ser, estar e fazer. O elitismo que vai a acontecer em certos setores e personagens não dignificam porque a igualdade de direitos e deveres ajudam a sociedade a repensar o valor dos profissionais e por consequência a proficiência dos mesmos. Já não há liceus como não há escolas primárias, entenda. E, por não haver mais nada a tratar, faltando apenas o porco no espeto, tiraram-se muitas fotografias para mais tarde recordar a instalação, muitos beijos, abraços, palmadas nas costas e votos de boa viagem. Haverá irritações dos deuses? O tempo o dirá.

Tenham uma excelente semana.