«“Onda
de frio em Portugal” noticiava a televisão. Isto é que é frio, resmungava o Zé,
habituado a temperaturas de 10 graus negativos na sua terra natal e com pouca
roupa para o agasalho, aquecendo-se com um copo de aguardente, apesar dos seus
dez anos de idade, quando acompanhava o pai no trabalho do campo, mesmo quando
no inverno não havia muito que fazer. “Desculpa de mau pagador para justificar
o aumento de mortes, neste mês de Janeiro de 2015, mais mil mortes que no ano
anterior, e oito nos serviços de urgência dos hospitais”, dizia entredentes o
Zé. Frio e calor conhecia ele quando teve de ir trabalhar nas minas da
Urgeiriça. Comer uma sardinha no pão e sopas de cavalo cansado todos os dias
não era vida… Aí deu cabo dos pulmões, porque a saúde pública era coisa dos
livros. Um dia, um médico viu-o à radioscopia e disse: Zé procura outro modo de
vida antes que a mina dê cabo de ti.
Então
chegou o dia de ir às sortes e embarcar para a Guiné para combater os turras.
Veio de lá desfeito. Nunca tinha visto homens morrerem ao seu lado e nunca
tinha matado ninguém. Calor não faltava! Quando deu baixa ao hospital militar,
ficou a saber que tinha apanhado a sífilis em Lisboa e as sezões em África.
Terminado o seu contributo patriótico ficou de novo sem nada. Casou. A Maria
teve cinco filhos, alguns, sabe-se lá como, nasceram: um veio atravessado e foi
o cabo dos trabalhos. O dinheiro era pouco e resolveu emigrar. Que frio de
rachar! Até os ossos lhe doíam nos bidonvilles de Paris e mais tarde nas
montanhas da Suíça.
O
Zé regressou com algum dinheiro que angariou lá fora, mais uma pequena pensão.
Riu e chorou com o 25 de Abril. Agora queria descansar e ser tratado com
dignidade quando está doente e recorre aos hospitais e sobretudo não queria
morrer sozinho num corredor de um hospital. O Serviço Nacional de Saúde, obra
dos profissionais de saúde, conseguiu ganhos em saúde como nunca se tinham
atingido em Portugal. Basta comparar indicadores como as taxas de mortalidade
infantil (77,5%o em 1960 per 2,9%o em 2013) e o aumento da esperança de vida à
nascença que agora se situa ligeiramente abaixo da média da OCDE. Contudo, se
considerarmos a esperança de vida saudável, isto é, sem doenças crónicas, o
país encontra-se muito abaixo da média da OCDE. A Maria e o Zé não querem
morrer sozinhos - os filhos estão todos no estrangeiro - no corredor de um
hospital.
Temos
obrigação, perante os Zés e Marias deste país, de exigir uma política de Saúde
correta, com a implementação de uma estratégia que corresponda às necessidades
de toda a nossa população, incluindo o milhão e tal de idosos. Não é de espantar
que os nossos Zés e Marias, agora com 76 anos, sofram de várias doenças,
consequência da vida difícil que levaram.
As
leis do mercado não funcionam na Saúde. O Estado tem que intervir, e bastante,
se quer cumprir o que ficou inscrito na Constituição. Onde está a rede
domiciliária de apoio? Quem a controla? Onde está a rede de cuidados
continuados? Por que se reduziu o número de camas hospitalares? Por que só
agora deixam os hospitais contratarem diretamente profissionais de saúde
(auxiliares, enfermeiros e médicos)? E o reforço nas urgências, que poderia ser
prestado pelos médicos reformados numa situação de emergência, por que é que só
agora se vai legislar?
Este
ministro, na sua obsessão de cortes nas despesas e nas medidas de austeridade,
que ultrapassaram as exigidas pela troika, como o congelamento de salários e a
redução das despesas em horas extraordinárias, é o responsável pelo caos nas
urgências deste país que não aguentam uma baixa de temperatura térmica e uma
“epidemia de gripe”. O Zé e a Maria exigem: senhor ministro demita-se!» – Jaime Teixeira
Mendes, Presidente do Conselho Regional do Sul da Ordem dos Médicos.
SE A EDUCAÇÃO FOSSE O QUE DEVIA SER, ESTE TEXTO DEVERIA SERVIR DE LEITURA, ANÁLISE E DISCUSSÃO DESDE O 3.º CICLO ATÉ ÀS UNIVERSIDADES E POLITÉCNICOS.
É UMA RESANHA HISTÓRICA, BEM CONSEGUIDA, DO QUE FOMOS, DO QUE SOMOS E DO QUE NÃO QUEREMOS SER COMO POVO E NAÇÃO!