Os
portugueses devem ser atualmente um dos povos mais infelizes da Europa. Após
anos de austeridade, até os mais crédulos e indefetíveis adeptos da atual
governação começam a duvidar, pelo menos em privado, do sentido dos sacrifícios
até agora efetuados. De facto, a sistemática quebra de rendimento, o
desmantelamento de serviços públicos, o corte nos direitos sociais, a
precariedade no emprego, tudo isso e muito mais, não produziu os efeitos
desejados. O desemprego mantém-se a níveis intoleráveis, a emigração forçada
acrescenta velhice à insustentabilidade a prazo da Segurança Social, a dívida
pública não cessa de aumentar, a esperança coletiva é menor do que nunca.
Os
discursos de circunstância colhem cada vez menos aceitação. A conversa acerca da
confiança no país, acerca da mobilização das pessoas, da governação de
proximidade, do diálogo político, da transparência e gestão com rigor, não
passa disso mesmo, de simples conversa de ocasião.
O
INE publicou recentemente dados que não auguram nada de bom. Basicamente,
assiste-se a um crescimento do risco de pobreza, que em 2013 abrangia já 2
milhões de portugueses. Os menores de 18 anos são o grupo etário em maior risco
de engrossar essa fileira. Isto é, aqueles que representam normalmente o
futuro, arriscam-se a ser cada vez mais pobres.
Mas
os dados do INE revelam ainda aumentos do risco de pobreza das pessoas
empregadas, isto é, revelam que em Portugal se consegue empobrecer até quando
se trabalha. E sem nunca esquecer os reformados, ciclicamente apontados como um
grupo em crescendo no risco de pobreza.
Por
isso não espanta que os portugueses pensem cada vez mais com a barriga e cada
vez menos com a cabeça.
É
que, em séculos de vida, encontramo-nos, enquanto povo, perante desafios que só
podem equiparar-se ao de uma batalha de Aljubarrota, à crise da Restauração pós
1640, ou ao drama das invasões francesas. De acordo com as piores projeções
demográficas, arriscamo-nos a ser apenas 5 milhões dentro de 100 anos. A
realidade atual impõe uma cada vez menor importância relativa de Portugal, na
Europa e num mundo cada vez mais globalizado e anglófono. Arriscamo-nos, como
pouquíssimas vezes em nove séculos de existência, a um dia não passarmos de uma
simples nota de rodapé nos livros de história. E para isto não há discurso que nos
valha.
A
classe política responde perante um povo que cada vez mais, por necessidade, reage
em vez de agir. Todos os discursos e intervenções, todas as abordagens aos
problemas, são sempre efetuadas numa perspetiva de curto prazo e de premência
eminente. Não existe espaço para a discussão programática e ponderada de uma
linha de rumo que defina consensualmente um futuro possível e esperançoso. Há
um afogo permanente e doentio.
Num
país em que as desigualdades são cada vez maiores, em que o medo e a injustiça predominam,
em que a esperança morreu, impera a lei do salve-se quem puder, aqui e agora.
Nem sequer acreditamos numa rutura como a que os gregos tentaram, ou como
aquela que os espanhóis ameaçam fazer. Portugal é na verdade um país único, um
país de derrotados e conformados, onde, os poucos que lutam, ou são radicais ou
são doidos.
Ter
consciência de tudo isto e assistir a tudo aquilo que se tem passado, imprime inevitavelmente
um ar de esquizofrenia ao quadro da nossa vida. Gostaria que toda esta
descrença não passasse de um simples sonho. Mas infelizmente aquilo que vivemos
é um pesadelo. Pelo menos aqueles que nos vamos dando conta disso. Sim, porque
o mais bizarro é que há ainda por aí muita gente que continua a viver no mundo
das nuvens. Acreditam no que lhes dizem, porque acreditar é uma forma de fugirem
à realidade. É uma forma de continuarem a viver. A esperança é a felicidade dos
pobrezinhos.
Florbela
Espanca gostava de dizer que não costumava acreditar muitos nos sonhos… porque
de todos se acorda. De facto, os sonhos representam a realização de um desejo.
E isso os nossos políticos perceberam muito bem. Para muito má sorte nossa. Como
se tem visto.
Muito bom dia a todos.
(Crónica na Rádio F - dia 2 de Fevereiro de 2015)