O nome de Sócrates e as
constantes referências públicas aos contornos da sua estadia em Évora trazem
constantemente à superfície o nome de um juiz que acabou por se tornar famoso,
o juiz Carlos Alexandre.
Curiosamente, Carlos
Alexandre foi o juiz que deu início ao processo que ficou conhecido como «processo
Labirinto». Recordo aqui aos mais esquecidos que o processo Labirinto envolve
altas figuras do aparelho de estado, algumas das quais se encontram já detidas.
O processo recebeu o seu nome exatamente a partir do labirinto de influências
que pretende desmontar. Essas influências arrastaram para a praça pública a Comissão
de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública, mais conhecida por
CRESAP. Trata-se de uma entidade criada pelo atual governo com o pretenso
objetivo de proceder a uma pré-seleção de candidatos a altos cargos da
administração pública, com base apenas na competência e no mérito. Em linguagem
popular, poderia dizer-se que a CRESAP foi criada alegadamente para impedir que
os bandidos chegassem ao poder.
Ora, estamos em Portugal.
Não era difícil prever no que isto tudo ia dar. A infinita criatividade dos
políticos lusitanos não tremeu perante o desafio que lhes foi colocado. Por
essa razão, têm sido produzidos admiráveis exemplos de malabarísticas
legitimações de nomeações supostamente filtradas pela CRESAP. Se existir um
problema e se esse problema afetar os interesses dos políticos, eles
conseguirão sempre ultrapassá-lo.
Não me refiro aqui apenas
ao caso de Maria Antónia Enes, a senhora que era secretária-geral do ministério
da Justiça e simultaneamente vogal não permanente da CRESAP, e que se encontra agora
detida no âmbito do tal processo Labirinto do juiz Carlos Alexandre.
Nem me vou limitar ao
mais recente escândalo das nomeações para as direções dos Centros Distritais da
Segurança Social, cujas vagas foram ocupadas no âmbito de um concurso da CRESAP
por 14 dirigentes que são, sem qualquer exceção, filiados no PSD ou no
CDS.
Vou cingir-me a um
escândalo bem mais caseiro, pela importância que pode vir a ter para os
cidadãos do nosso distrito. E que também envolve a CRESAP. Bem como outras
altas instituições do Estado. A história, revelada há dias num jornal nacional,
conta-se em poucas palavras.
Um determinado gestor foi
em 2010 e em 2011 condenado por crimes de abuso de confiança fiscal. Em 2012
foi nomeado presidente da ULS da Guarda. A CRESAP não detetou o registo
criminal do gestor, vá-se lá saber porquê. Uns tempos depois esse gestor,
conhecida a enorme dificuldade em encontrar no mercado local advogados
disponíveis, celebrou um contrato de avença entre a ULS da Guarda e um advogado
de Lisboa. Soube-se agora que a esposa do advogado em causa é, também ela, tal
como a outra que está presa à guarda do processo Labirinto, uma vogal da
CRESAP. E que foi adjunta do próprio secretário de estado da Saúde. Ascendeu há
algum tempo ao cargo de secretária-geral do ministério da Economia e é, além
disso, membro da Comissão de Prevenção da Corrupção. Que por sua vez é
presidida pelo presidente do Tribunal de Contas, que é a entidade a quem
compete fiscalizar e garantir o bom uso de dinheiros públicos. Bonito!
A cerejinha em cima do
bolo é que o advogado em causa tem mais contratos de avença com outros
hospitais públicos, tendo chegado a auferir a módica quantia de mais de 7 mil
euros por mês, sem qualquer concurso público! Claro que estamos a falar de
gente séria e de instituições que nos merecem incondicionalmente toda a
credibilidade. E claro que se alguma coisa aconteceu que não se devesse ter
passado, não foi certamente por mal.
A CRESAP aparece no meio
disto tudo como aquele colégio eleitoral de Hong Kong que tem por função
selecionar 3 candidatos à presidência do território. Todos vindos da China. Ao
menos, aqui em Portugal os candidatos nunca poderão ser acusados de serem como
os candidatos fantoches de Hong Kong. Pelas simples razão de não terem os olhos
em bico.
Muito bom dia!
(Crónica na Rádio F - 23 de Fevereiro de 2015)