sexta-feira, junho 20, 2025

Ponto de vista

Na semana finda ficou-se, finalmente, a conhecer a decisão do Tribunal da Relação de Coimbra sobre o celebérrimo caso de parcerias público-privadas realizadas pelos municípios de Trancoso e Gouveia, entre 2007 e 2011, liderados por Júlio Sarmento e Álvaro Amaro, ambos militantes do PSD. A Relação de Coimbra confirmou a condenação proferida no Tribunal de 1.ª instância, na Guarda, julgando improcedentes todos os recursos apresentados, que contestavam o acórdão, determinado em abril de 2023, revogando apenas a sentença numa parte relacionada com o pedido de indemnização civil feito pela Câmara de Trancoso.

Em 2023, o ex-eurodeputado, ex-secretário de estado da agricultura em governos de Cavaco Silva, ex-deputado à Assembleia da República e antigo presidente das câmaras da Guarda e de Gouveia, Álvaro Amaro, foi condenado por prevaricação de titular de cargo político a três anos e meio de prisão, com pena suspensa, condicionada ao pagamento de 25 mil euros, pena igualmente aplicada a Luís Tadeu, atual presidente do município de Gouveia e igualmente presidente da Comunidade Intermunicipal das Beiras e Serra da Estrela. Além destes dois autarcas, foi ainda condenado, o ex-presidente da Câmara de Trancoso, Júlio Sarmento, a uma pena de prisão efetiva de sete anos, pelos crimes de prevaricação, corrupção e branqueamento de capitais, incluindo corrupção passiva e branqueamento, relacionados com entrega de 560 mil euros a empresas de familiares, e agora confirmada pela Relação de Coimbra. Acresce ainda uma acusação ao ex-autarca de ter presumivelmente beneficiado a construtora de Manuel Rodrigues Gouveia, numa parceria-público privada conduzida por uma empresa municipal de Trancoso, qualquer coisa como 3,6 milhões de euros, num negócio que obriga o município de Trancoso a desembolsar rendas à volta de 900 mil euros anuais entre 2010 e 2034. A Relação de Coimbra manteve também as penas do Tribunal da Guarda, aplicada ao empresário Fernando Gouveia, ao consultor Marco Carreiro e à empresária Josefina Araújo. O tribunal da Relação de Coimbra julgou assim "totalmente improcedentes" os recursos apresentados pelos seis arguidos condenados em primeira instância, confirmando "integralmente o acórdão recorrido" relativamente à parte criminal. Já na parte civil, a Relação de Coimbra revogou o acórdão da primeira instância, face a recursos de Júlio Sarmento e Fernando Gouveia, no que toca ao pedido de indemnização civil deduzido pela Câmara de Trancoso, absolvendo os dois arguidos "das custas de tal pedido". O que realmente não se compreende. Podemos e devemos aceitar as decisões judiciais. Coisa bem diferente é concordar com elas. Como podem os cidadãos portugueses, no geral e em particular os cidadãos de Trancoso serem fortemente penalizados com rendas anuais de 900 mil euros em prejuízo no desenvolvimento do concelho, sem serem ressarcidos dos mesmos que vão, forçosamente, ter de pagar e para a qual nada contribuíram, apenas no de voltarem em tal candidato. Não se compreende. Lembrar que já no Tribunal da Guarda, em primeira instância, dos nove arguidos do processo inicial, logo três foram absolvidos, o presidente da Câmara de Alcobaça, Hermínio Rodrigues, bem como a empresa Manuel Rodrigues Gouveia e o arguido Eduardo Nogueira. Caíram todas as suspeitas que lhes eram imputadas, entre outras, o de participação num esquema de Parcerias Público Privadas alegadamente lesivo para as contas dos municípios. Mas o Tribunal da Relação de Coimbra não atendeu, estranhamente, aos ditos efeitos lesivos para os municípios. Temos todo o direito de discordar da interpretação numa sociedade democrática. Lembrar que o advogado de Álvaro Amaro, Carlos Peixoto, no final da sessão teceu comentários à decisão do Tribunal ao jeito da célebre frase “a peste grisalha” ao dizer que a decisão é “uma profunda injustiça e um duplo erro judiciário”, nada de estranhar quando o seu constituinte perde. Lembrar ao senhor doutor que quem perdeu foram os munícipes das localidades e no geral a sociedade que olha mais uma vez mais para estes casos como nódoas na vida do poder local. Carlos Peixoto afirmou mesmo que a decisão agora proferida “é justiça feita 17 anos depois dos factos, logo é profundamente caquética e injusta”. Nada a espantar nem a acrescentar ao léxico do senhor advogado. Dizer-se que “as pessoas não vão compreender estas sentenças, a da Relação e a da primeira instância, mas a justiça é assim e neste caso falou em juridiquês“ revela falta de rigor na análise dos fatos, mas aceita-se como defensor em causa perdida. Contudo, podia e devia ser mais comedido nas palavras, no nosso modesto entendimento. Falar-se em pessoas que não vão compreender estas sentenças é abusivo. As tais pessoas são cidadãos que pagam com sangue, suor e lágrimas todos os impostos a que são obrigados e ainda se veem penalizados em rendas brutais. Quanto ao “juridiquês” tudo dito. Mas a novela continuará muito provavelmente. Talvez mais um recurso, desta vez para o Tribunal Constitucional. Os tais cidadãos percebem tudo, antes que se julgue que não! Lembrar que casos como este aumentam a desconfiança dos cidadãos face ao muito de corrupto que vai a acontecer nas autarquias e só dá razão aos que veem afirmando que a maior corrupção acontece precisamente nesse poder. Basta ler, ouvir e ver a sucessão de casos. Por fim, mas não menos importante, lembrar aos mais esquecidos que em plena governação de Álvaro Amaro na Câmara da Guarda apareceram uns taipais com referência à dita empresa de Manuel Rodrigues Gouveia a tapar o frontispício do Hotel Turismo da cidade. Estranhou-se, mas depressa desapareceram. Só para lembrar, obviamente. E, curiosamente, ontem celebrou-se um ato histórico da maior importância para a vida dos povos. Há 810 anos era assinada a Magna Carta no Reino Unido. Foi um marco na luta pelos direitos individuais e limitou o poder absoluto dos monarcas, estabelecendo princípios como a igualdade perante a lei e a proteção contra abusos de poder, nomeadamente ao nível dos impostos. A Magna Carta inspirou a luta pelos direitos humanos em todo o mundo, influenciando documentos e movimentos que defendem a igualdade, a justiça e a liberdade. É só para lembrar. 

Tenham uma excelente semana.