quarta-feira, maio 21, 2025

Ponto de vista

O vendaval que ontem aconteceu em Portugal, com os resultados eleitorais que permitiram a ascensão da direita e da extrema-direita e com a esquerda em completa queda tem várias causas. 

Importa lembrar que o fenómeno não é exclusivo de Portugal. O mundo inteiro tem presenciado o fortalecimento de forças políticas de direita e da extrema-direita. 

Há causas variadas que explicam esta hecatombe eleitoral para a esquerda. Hoje analisaremos na globalidade a razão dessa ascensão e no futuro iremos fazer uma abordagem mais focalizada no caso português. 

Os partidos da extrema-direita e da direita lançaram-se não só a combater todas as propostas progressistas ou de esquerda que pretendiam ampliar a proteção da sociedade pelo Estado, mas também em atacar os próprios partidos tradicionais da direita por não promoverem vigorosamente as leis do mercado, terem cedido terreno ao progressismo cultural e permitindo o que consideram uma degradação moral da ordem social. Nalguns casos misturam o apego aos preceitos neoliberais com a ideia de uma pátria de proprietários, como faz Trump nos Estados Unidos, fez Bolsonaro no Brasil ou Abascal na Espanha. Noutros casos, promovem receitas primitivas de livre mercado, como Milei na Argentina ou Meloni na Itália. 

Consideram que existe uma ordem natural da humanidade que emerge unicamente das regras do mercado, e que qualquer desvio desta não é apenas ineficiente, mas prejudicial e ofensivo. Coletivamente odeiam o Estado, propõem a redução dos impostos sobre os ricos e juram que os direitos coletivos são um roubo, e que qualquer bem público deve ser privatizado. 

Para essa extrema-direita, a democracia não é um princípio inegociável, senão um meio provisório e meramente instrumental para alcançar as suas metas de promover o mercado e as sacrossantas hierarquias racistas dos vencedores. Para eles a democracia é um excesso, os direitos um exagero e um insulto à igualdade. Não são democratas por convicção, mas sim por utilidade tática. 

Os momentos de crises económicas e turbulências políticas, a degradação dos serviços públicos, nomeadamente, saúde, educação, habitação, transportes, justiça, pensões, a perda do poder de compra dos cidadãos e muitos outros fatores constituem terrenos particularmente férteis para o crescimento da extrema-direita e para a sua capacidade de disputa no terreno político. 

E, assim, a frustração cresce entre as classes e em especial nas mais sacrificadas; o mal-estar expande-se e todos começam a procurar saídas para a angústia por meio de opções diferentes das tradicionais. Procuram recuperar uma ordem imaginada do passado em que o mercado funcionava, as hierarquias eram respeitadas e os pobres não reclamavam. Contudo, para isso, ao invés da sedução defendem a sanção, o castigo e a vingança contra aqueles que consideram como responsáveis dessa desordem, tanto económica como moral: sindicatos “gananciosos”, imigrantes que “roubam” empregos, mulheres que “exageram” nos seus direitos. Sem compreender que o enfraquecimento do projeto neoliberal é resultado dos seus próprios limites. 

A incerteza e o desespero são o terreno fértil para a sua intervenção. Desprezam a solidariedade e a ação em comum para remontar às adversidades, que lhes parecem uma heresia contra os valores do indivíduo e da propriedade. As direitas autoritárias fomentam a salvação individual porque consideram que no mercado aqueles que são capazes triunfam e os ineficientes perdem, e também porque sabem que a frustração individual na solidão é a melhor garantia para a receção do messianismo político do grande pastor que conduzirá o seu rebanho à redenção. Procuram canalizar o medo social à incerteza e a ausência de futuro ao ódio, à vingança e ao castigo. Anseiam pela velha estabilidade do mercado, odeiam os direitos cristalizados no Estado; indignam-lhes a igualdade porque consideram que isso destrói as hierarquias sagradas da empresa, da família e da servidão individual. São melancólicos de um idílico passado mercantil onde os capazes tinham o seu e os fracassados o merecido desprezo da marginalidade. Importa perceber que as direitas autoritárias não nascem do nada. Não aparecem de repente. Sempre estiveram aí, acomodadas sob a ala das direitas centristas e moderadas. As direitas fracassadas alimentam a extrema-direita. Não há necessidade de conversão de crenças, já que se trata simplesmente de uma transição para posturas mais firmes. Ao fim e ao cabo, as direitas moderadas nos seus tempos de glória também abraçaram o livre mercado, a austeridade fiscal, a redução dos impostos e o controlo salarial. Porém, as direitas moderadas compreendiam que para essas políticas serem duradouras era preciso amortizar o ajuste com políticas sociais pontuais, garantir o gotejo da riqueza para alentar o consumo e tolerar um ou outro progressismo cultural. São as mesmas pessoas que votavam ao centro, mas que agora têm medo, inquietos e buscam segurar-se em algo que lhes devolva um mínimo de certeza. E o mais próximo e imediato às suas adesões ideológicas de centro-direita é a extrema-direita, que não só tem uma explicação do porquê as políticas de centro fracassaram, mas que também prometem uma solução imediata – ilusória e falaciosa, mas solução – no meio do caos imperante. Essa é a primeira fonte da qual se alimenta a expansão da extrema-direita. E assim, por trás de muito democrata de direita esconde-se, com uma dupla personalidade adormecida, um enfurecido direitista autoritário.

Não compreender isto é abrir caminho à ascensão da extrema-direita.

Tenham uma excelente semana, apesar de toda a tormenta que nos vai a fustigar.