quarta-feira, dezembro 04, 2024

Ponto de vista

E mais um ano e mais uma comemoração da entrega da carta de foral à Guarda. Felizmente já perceberam, os poderes instalados, que as comemorações não devem referir-se apenas e tão-só à cidade, mas a todo o concelho. Assim, na propaganda oficial já se anuncia o “Dia do Concelho”. Aprenderam! E as festividades duraram mais de oito dias. Dinheiro e propaganda não faltaram. Os 825 anos da atribuição do foral são mais uma forma bem encapotada de promoverem um executivo com obras prometidas e nunca acabadas. Mas comecemos na época medieval, quando D. Sancho I, com o cognome o Povoador, outorgou à Guarda a Carta de foral, precisamente a 27 de novembro de 1199, em Coimbra, cidade que se tornou sede do reino nessa altura. Nesses primeiros anos de Portugal enquanto país independente, a coroa era alvo do ataque de muitos inimigos, a começar pelo Reino de Leão. Além disso, a Igreja Católica Apostólica Romana demorava em consagrar a independência de Portugal com a sua bênção. Como se sabe, o poder Papal, na altura e pelo que é dado verificar, durante vários séculos condicionou a vida dos povos. D. Sancho I atribui à actual região das beiras, a fronteira natural com Castela, várias cartas de foral, entre elas a da Guarda. Voltemos às comemorações do octingentésimo vigésimo quinto aniversário da Guarda. Aqui chegados importa procurar a justificação para tantos dias de comemorações e com eventos escolhidos ao sabor dos interesses eleitoralistas - lembrar que estamos à beira das eleições autárquicas. Tudo é feito e programado para agradar a cidadãos incautos, para quem as festanças, comezainas e o vinho a correr pelas gargantas afoga os desaires e dissabores latentes na vida do concelho da Guarda. Sinceramente sinto repulsa pela hipocrisia de se querer homenagear o rei Povoador. Quando se retira a estátua que o lembra, ou devia lembrar a todas as gerações, para um lugar sem relevo, servindo de mictório, é algo que devia envergonhar qualquer político que promove tais celebrações. O lugar do rei D. Sancho I é e deve ser no centro da praça Luís de Camões, vulgarmente dita de Praça Velha. Honre-se o poeta épico e chame-se à praça o seu verdadeiro nome. Quiseram transformar aquele espaço numa eira. Só faltaram as malhadeiras e os mangualdes de outros tempos e os cereais que hoje vão a escassear. O despovoamento, pois! Em ano do quingentésimo aniversário do nascimento do maior poeta português, Luís de Camões, teria sido de elevado nível cultural e simbólico a recolocação da estátua do rei no centro da praça a quem já houve quem a apelidasse “sala de vistas” da cidade. Ora, se “sala de visitas” a apelidaram, sem qualquer respeito pelo passado nem pelo presente, ao menos a dignidade de conhecer o passado, para se entender o presente e pensar o futuro. Mas só temos o que merecemos. Inaugurar uma peça em bronze com uma réplica do foral concedido à Guarda, com um custo de mais de 44 000 euros e com um intervalo de 4 dias entre a encomenda e a realização, mais uma vez através do sempre “ajuste directo” tão do agrado do executivo camarário, é de todo uma atitude ridícula. Imagine-se alguém que nos visita encontrar a tal placa e procurar a estátua. Nem se aproxima tal o cheiro nauseabundo que por lá vai a existir. Hipocrisia quanto baste! Podem argumentar que a colocação da estátua do rei “povoador” no centro da praça reduziria a visibilidade da Sé da Guarda. Ora, em época em que o clero volta a ter a preponderância, a representatividade da Idade Média, com a parceria com o poder executivo nada, mesmo nada nos espanta. É que a participação do clero nos vários eventos começa a colocar em causa a questão da laicidade do Estado português. É o acompanhamento ao passeio dos idosos, é a comparticipação da Câmara da Guarda na aquisição do órgão da Sé, na participação do clero na festividade relativa ao dia do exército, é no baptismo de um pavilhão gimnodesportivo da escola da Sé, a quem a propaganda eleitoral do executivo camarário chamou pavilhão municipal. Pode o clero levar a água benta à piscina do senhor presidente, à sua casa e a tudo o que lhe pertence, só não tem o direito de confundir limites que uma concordata determina. Ao poder religioso o que lhe é devido, dentro dos parâmetros da laicidade do estado e outra coisa bem diferente, é misturar política com religião e desde logo na exclusividade da Igreja Católica Apostólica Romana. Percebe-se a razão de tais parcerias. Eleições à porta! Já nem falo das exposições sobre temas religiosos em "dia do concelho", da apresentação de livros com a mesma temática. Da promoção que é dada a uma escola privada, mas do domínio da Igreja, na participação em todas as festividades, esquecendo a escola pública. Já para não falar das “medalhinhas” impostas a instituições que no parecer do poder executivo proporciona o desenvolvimento do concelho. Em resumo, o executivo canário sem obra para inaugurar para além do já citado pavilhão gimnodesportivo, descerra umas placas, parabéns ao jornal ”A Guarda” pelo seu aniversário, abre uma carreira de tiro para a GNR e termina com mais uma gala, na forma de jantar. Sim, o executivo camarário decidiu realizar uma jantarada para, segundo diz a propaganda, comemorar a actividade empresarial. E como não podia faltar o desporto. Tudo bem alinhado para distribuir equipamento desportivo e mais medalhas e óculos, agora não de Sol, mas para a neve! Continuo à espera do anúncio de uma estadia numa estância de esqui da Europa, como prémio aos ditos atletas. Camisolas com o anúncio da Corrida de S. Silvestre na Guarda já se veem nos dorsos dos tais atletas. O mesmo de sempre actividades para enganar incautos. E, por fim, se quiserem apreciem a iluminação de Natal, que custou aos guardenses mais de 114 000 euros. Já para não falar de outras despesas com a dita e celebrada “Guarda cidade natal”. Mas isso será assunto para a próxima crónica.
Até lá tenham uma excelente semana!