O
Sofrimento do Hipócrita
Ter
mentido é ter sofrido.
O hipócrita é um paciente na dupla acepção da palavra;
calcula um triunfo e sofre um suplício.
A premeditação indefinida de uma acção
ruim, acompanhada por doses de austeridade, a infâmia interior temperada de
excelente reputação, enganar continuadamente, não ser jamais quem é, fazer
ilusão, é uma fadiga.
Compor a candura com todos os elementos negros que
trabalham no cérebro, querer devorar os que o veneram, acariciar, reter-se,
reprimir-se, estar sempre alerta, espiar constantemente, compor o rosto do
crime latente, fazer da disformidade uma beleza, fabricar uma perfeição com a
perversidade, fazer cócegas com o punhal, por açúcar no veneno, velar na
franqueza do gesto e na música da voz, não ter o próprio olhar, nada mais
difícil, nada mais doloroso.
O odioso da hipocrisia começa obscuramente no
hipócrita.
Causa náuseas beber perpetuamente a impostura.
A meiguice com que a
astúcia disfarça a malvadez repugna ao malvado, continuamente obrigado a trazer
essa mistura na boca, e há momentos de enjoo em que o hipócrita vomita quase o
seu pensamento.
Engolir essa saliva é coisa horrível.
Ajuntai a isto o profundo
orgulho.
Existem horas estranhas em que o hipócrita se estima.
Há um eu
desmedido no impostor.
O verme resvala como o dragão e como ele retesa-se e
levanta-se.
O traidor não é mais que um déspota tolhido que não pode fazer a
sua vontade senão resignando-se ao segundo papel.
É a mesquinhez capaz da
enormidade. O hipócrita é um titã-anão.
Victor Hugo, in "Os Trabalhadores do Mar"
Victor Hugo, in "Os Trabalhadores do Mar"
Os
grandes autores são imortais!