terça-feira, março 31, 2015

Ponto de Vista


Dificilmente encontraremos alguém que não tenha ouvido falar da célebre frase de Winston Churchill, segundo a qual a democracia é a pior forma de governo imaginável, à excepção de todas as outras que foram experimentadas. Hoje as palavras de Churchill teriam porventura outro sentido. Ou outra direcção. Recordo aqui que foram proferidas num contexto muito particular, ligado a uma Guerra Mundial. Actualmente, se não vivemos numa guerra clássica, vivemos pelo menos um conflito que a História irá recordar como uma guerra combatida por outros meios.
A democracia de que Churchill falava deu lugar a uma espécie de plutocracia. Trata-se de um sistema de dominação em que uma classe, detentora dos meios de produção e de distribuição da riqueza consegue, mediante um elaborado sistema político e jurídico, assegurar a si mesma o controle social e económico da sociedade. Trata-se de um sistema de governo no qual esse grupo de pessoas escolhe na prática quem lhe convém, conseguindo ainda assim fazer parecer que a escolha foi feita pelo povo. O sufrágio do voto, na plutocracia, é tudo. Não importa o que venha depois. Por exemplo, é irrelevante que logo no dia seguinte a umas eleições se violem todas as promessas. O sistema assenta na capacidade de o poder económico exercer a máxima influência possível na formação das classes dirigentes e decisoras. É, afinal, a preponderância dos homens ricos sobre tudo o resto. E o resto inclui-nos a nós, os eleitores…
Vou aqui dar um exemplo daquilo que falo.
Aqui há uns anos houve um determinado indivíduo que cometeu mais do que um crime de abuso de confiança fiscal. Foi por isso condenado, sem apelo nem agravo. Passados uns tempos conseguiu fazer-se nomear para a administração do hospital da Guarda. Quando o seu passado criminal foi revelado, o ministro da Saúde alegou desconhecimento sobre essas condenações e atirou as responsabilidades para a CReSAP, que é aquela entidade que tem por obrigação evitar broncas destas. A CReSAP, por sua vez, atirou as responsabilidades para o tal gestor, argumentando que este não havia referido os crimes que tinha cometido. Entretanto o gestor em causa meteu-se em diversas confusões e acabou por não ser reconduzido na liderança da administração do hospital.
Soube-se agora que o gestor em causa foi nomeado vogal do Conselho de Administração do Centro Hospitalar da Cova da Beira, sediado na Covilhã. Não serviu para presidente da administração na Guarda mas pelos vistos já serve para vogal da administração na Covilhã.
Fica por explicar qual será desta vez a desculpa do ministro da Saúde, o tal que gosta de cultivar uma imagem de rigor e de preocupação sobre a forma como são gastos os dinheiros públicos, sobretudo quando se trata de dispensar medicamentos aos doentes. É que estamos a falar de um gestor condenado exactamente por prejudicar o Estado. Também fica por explicar como é que a CReSAP validou a idoneidade de uma pessoa condenada por tais crimes para o exercício de funções públicas desta responsabilidade. Sim, porque agora a CReSAP já não pode alegar desconhecer o que se passou. E ficamos sem perceber, de facto, para que serve afinal a CReSAP.
Entretanto o gestor em causa já é objecto de investigação noutros processos criminais, envolvendo nomeadamente a celebração de contractos de prestação de serviços do tempo em que passou pela Guarda.
Este gestor é como os cometas. Por onde passa deixa rasto. Mas o que lhe permite brilhar é o sol que nos governa. Refiro-me ao sol que aquece em Lisboa e que dá vulgarmente pelo nome de “sistema”. Este “sistema”, o tal que Churchill denominaria hoje de plutocracia ou de coisa ainda pior, até era capaz de colocar uma galinha a dirigir um ministério. Era só querer. E quem protestasse, ou é do contra ou é doido. Este tipo de farsa tem o condão de se recriar a si própria, até ao infinito. E conta connosco, os pategos do costume, para continuarmos a mantê-la. Tenham um bom dia.
(Crónica na rádio F - 30 de Março 2015)