Deram
recentemente à estampa diversas notícias envolvendo ex-membros da administração
do hospital da Guarda. A mais sonante consistiu na confirmação, pelo Tribunal
da Relação de Coimbra, da condenação de Fernando Girão por 4 crimes de
difamação agravada cometidos em 2010 contra dois médicos da instituição.
Recordo que um desses médicos já havia obtido, num outro processo, a condenação
de Fernando Girão por um outro crime algo invulgar no âmbito da gestão
hospitalar, no caso em apreço, o crime de violação de correspondência.
Não
me recordo, ao nível nacional, de nenhum caso parecido. É muito raro os
gestores públicos serem condenados criminalmente e ainda mais que isso aconteça
em tal quantidade por iniciativa individual de cidadãos.
Acresce
a isto que foi recentemente tornado público que Ana Manso, que substituiu
Fernando Girão à frente do hospital, vai ser julgada em Abril pelo crime de abuso
de poder. E já está a ser investigada no âmbito de outro processo. Nos dois
casos, sempre por diligência do médico em causa. Tive também conhecimento de
factos e documentos que me permitem crer que Vasco Lino, que por sua vez
sucedeu a Ana Manso, será também alvo de procedimentos criminais, ainda pela
mão do mesmo médico. E com todas as probabilidades de ser vítima do mesmo
resultado: a condenação!
Ora,
tendo tido conhecimento de tudo isto, pus-me a pensar nas especificidades inevitavelmente
associáveis a uma situação tão inédita. Dito isto, procedi a um exaustivo
levantamento de todas as notícias dos últimos 15 anos e de alguns ficheiros judiciais
que tenho em arquivo. Estou assim em condições de vos resumir uma história com
o seu quê de fantástico. É algo em que vale a pena meditar e que de facto explica
muita coisa.
Já
em 2004 o médico em causa foi alvo de um processo disciplinar por gastar a
eletricidade do hospital ao ter lá colocado equipamentos no valor de mais de 40
mil euros para operar doentes. O médico ganhou esse processo e voltou a colocar
equipamentos no hospital uns anos mais tarde, recusando-se sempre a pedir
licença a qualquer administração para o fazer.
Em
2007 esse médico foi líder de um abaixo-assinado que ameaçou José Sócrates, com
todas as letras, de encerramento da faculdade de medicina da Beira Interior se
a maternidade da Guarda viesse a ser fechada. Defendia o médico que se os
hospitais não servem para tratar doentes, também não servem para dar aulas. O
médico ganhou a parada e três meses depois Correia de Campos, ministro da Saúde
do PS, veio à Guarda içar a bandeira branca e anunciar a criação da ULS da
Guarda e a manutenção da maternidade.
Mas
Sócrates não perdoou. Quando em 2009 o tal médico encabeçou novo abaixo-assinado
acerca do mesmo assunto, ou Sócrates ou o seu chefe de gabinete, de acordo com
os registos judiciais, telefonaram a Fernando Girão. Seguiu-se uma nova leva de
processos disciplinares, tendo o médico em causa e um outro sido condenados a
pagarem uma multa de 33 mil euros por terem usado papel timbrado do hospital na
elaboração do mesmo! Num dos processos disciplinares subsequentes o médico
acabou por ser despedido pela administração de Fernando Girão, ilegalmente
segundo se diz. Dizem também as más-línguas que o médico aproveitou o tempo
livre para passar a escrutinar, investigar e denunciar as miudezas da má gestão
a que a partidarite já nos habituou na administração hospitalar. Com os
resultados que se têm visto… Ana Manso compreenderá agora, embora tarde de
mais, como decerto já sucedeu com Fernando Girão, aonde eu quero chegar. E
acredito que Vasco Lino, a seu tempo, também lá chegará…
Enquanto
aguarda pela sua reintegração na instituição, o médico de que falo, cujo nome
não menciono aqui de propósito, já deve ter levado mais do que um dos
personagens a que me referi a pensar que em certas situações o segredo da vida é
capaz de não residir em saber-se escolher bem os amigos, mas antes os inimigos.
É que se a mãe da justiça poética é o acaso, o seu melhor aliado é o tempo! Ou
o ócio…
Muito bom dia a todos.
(Crónica na Rádio F - 16/03/2015)