NO
DIA BRANCAMENTE NUBLADO ENTRISTEÇO QUASE A MEDO.
No dia brancamente nublado entristeço quase a medo
E ponho-me a meditar nos problemas que finjo...
Se o homem fosse, como deveria ser,
Não um animal doente, mas o mais perfeito dos animais,
Animal directo e não indirecto,
Devia ser outra a sua forma de encontrar um sentido às coisas,
Outra e verdadeira.
Devia haver adquirido um sentido do «conjunto»;
Um sentido, como ver e ouvir, do «total» das coisas
E não, como temos, um pensamento do «conjunto»;
E não, como temos, uma ideia do «total» das coisas.
E assim — veríamos — não teríamos noção de conjunto ou de total,
Porque o sentido de «total» ou de «conjunto» não seria de um «total» ou de um «conjunto»
Mas da verdadeira Natureza talvez nem todo nem partes.O único mistério do Universo é o mais e não o menos.
Percebemos demais as coisas — eis o erro e a dúvida.
O que existe transcende para baixo o que julgamos que existe.
A Realidade é apenas real e não pensada.
O Universo não é uma ideia minha.
A minha ideia do Universo é que é uma ideia minha.
A noite não anoitece pelos meus olhos.
A minha ideia da noite é que anoitece por meus olhos.
Fora de eu pensar e de haver quaisquer pensamentos
A noite anoitece concretamente
E o fulgor das estrelas existe como se tivesse peso.
Assim como falham as palavras quando queremos exprimir qualquer pensamento,
Assim falham os pensamentos quando queremos pensar qualquer realidade.
Mas, como a essência do pensamento não é ser dita, mas ser pensada,
Assim é a essência da realidade o existir, não o ser pensada.
Assim tudo o que existe, simplesmente existe.
O resto é uma espécie de sono que temos,
Uma velhice que nos acompanha desde a infância da doença.
O espelho reflecte certo; não erra porque não pensa.
Pensar é essencialmente errar.
Errar é essencialmente estar cego e surdo.
Estas verdades não são perfeitas porque são ditas,
E antes de ditas, pensadas:
Mas no fundo o que está certo é elas negarem-se a si próprias
Na negação oposta de afirmarem qualquer coisa.
A única afirmação é ser.
E ser o oposto é o que não queria de mim...
Alberto Caeiro/Fernado Pessoa
(1888-1935)