A
democracia, aquele velho sistema de governo menos cheio de defeitos que os
outros, também tem os seus momentos de anarquia e de libertinagem. Na nossa, é
comum os gestores do dinheiro público fugirem à obrigação de realização de concursos
públicos. O que eles gostam mesmo é de ajustes diretos! À pala disto, em
Portugal tudo serve para se gastar o dinheiro dos contribuintes. A realidade
dos ajustes diretos, assente nos pequenos favores a amigos, afunda, em cada dia
que passa, um pouco mais o país. É quase impossível provar a corrupção e o
tráfico de influências num modelo destes. A listagem dos ajustes diretos a que
a lei obriga, efetuada por organismos públicos, empresas do estado e
autarquias, é um manancial de más despesas que o contribuinte, sem se aperceber,
terá de pagar um dia. E paga bem. Os registos inscritos por
força de lei no portal oficial não param de aumentar. Há ajustes diretos para
tudo. Há-os até, imagine-se, para brindes! Isso mesmo, brindes pagos com o
dinheiro dos contribuintes. Aliás, se há algo que as entidades públicas gostam
de fazer, é dar coisas. Só com a palavra "brindes" surgem no portal mais
de uma centena de ajustes diretos, no valor de mais de 1 milhão de euros. Fazer
festas é outra das predilecções nacionais. Há, com essa designação, mais de 2
000 ajustes! Custaram as festas e romarias, por junto e em todo o País, nos
últimos cinco anos, qualquer coisa como 30 milhões de euros. E "nós pimba",
pagámos os foguetes, as romarias e os comes e bebes! As animações são mais do que
muitas. Há quem facture, só em animações oferecidas pelos amigalhaços, qualquer
coisa como 5 000 euros por dia! Por exemplo, sabiam que o ministério da defesa,
o tal que não teve qualquer problema em comprar dois submarinos e pagar luvas
sem conta, não tem sequer limite para ajustes diretos? O pretexto é o de que não
se podem fazer concursos públicos porque o ministério da defesa tem direito ao
secretismo... Tão secreto, tão secreto, que se sentem no direito de fazer o que
muito bem entenderem com o dinheiro que é de todos.
Pensar-se-ia
que em tempos de austeridade haveria menos recursos para este tipo de
fantochadas. Mas a verdade é que desde que a troika chegou a Portugal, fazem-se
em média 140 ajustes diretos por dia, pese embora a própria proibição troikista
de tal comportamento.Claro que a recomendação do Conselho de Prevenção da Corrupção, no sentido de as entidades públicas evitarem o recurso à contratação por ajuste direto, tem caído em orelhas moucas. Atualmente os ajustes diretos já pesam mais do que os contratos lançados através de concurso público, que representam apenas 43% do total do valor da despesa.
Cá pela Guarda, o executivo camarário não foge à regra nacional. A autarquia pretende celebrar contratos por ajuste direto no valor de 96 mil e 600 euros. O ano passado a autarquia fez 55 ajustes diretos, representando uma verba global de cerca de um milhão e 697 mil euros. Um dos ajustes diretos, no valor de cerca de 30 mil euros, tem a ver com a realização do evento “Guardafolia”, que decorrerá em Fevereiro. Trata-se de um conjunto de iniciativas que englobam o já tradicional espectáculo do “Galo do Entrudo”, as tabernas do Entrudo e o desfile infantil, entre outros. Mas há mais. Outro ajuste direto já na calha é a celebração de um contrato de prestação de serviços para “intervenção nas árvores da Guarda”, no valor aproximado de 45 mil e 600 euros. Intervenção nas árvores da Guarda? Não há equipamentos nem funcionários da autarquia que possam fazer tal intervenção? Curioso ou talvez não, é o facto de a empresa proposta para este ajuste direto ter sede social em Aguiar da Beira, terra de onde é natural Dias Loureiro, personagem bem conhecida deste tipo de coisas. Coincidências…
Perante tanta desfaçatez, acho que o que Portugal precisava mesmo é de uma limpeza que varresse do mapa toda esta pouca-vergonha. Nem que para tal fosse necessário contratar uma empresa. E que fosse mesmo por ajuste direto!
Tenham um muito bom dia!
(Crónica Rádio F - 20 de Janeiro 2015)