terça-feira, janeiro 27, 2015

Ponto de vista

Começo esta crónica com uma declaração de interesses. Sou democrata, mas não daqueles abundantemente fabricados em aviário após o 25 de Abril. Não sou, por exemplo, um sub-produto das Jotas, ao contrário da maioria dos políticos que por aí andam. Já antes da revolução tinha eu plena consciência das condições de vida de um povo à data martirizado por dois flagelos: a guerra colonial e a exploração da mão-de-obra que obrigou tantos a partirem para longe de Portugal.
Hoje, decorridos tantos anos, confronto-me, como tantos portugueses, com uma certa sensação de dejá vu. E é isso que cria em nós aquele sentimento de frustração e de desânimo que nos invade o espírito. Por isso, continuando embora a defender ideais democráticos, acredito hoje muito menos na democracia representativa do que no dia dos cravos. É que é tal o grau de parasitagem que se lhe vai associando – e infelizmente não falo apenas de Portugal – que só imagino uma saída para a crise em que estamos mergulhados: um reforço real da democracia participativa que motive os cidadãos a debaterem e a decidirem de forma mais direta e consciente acerca dos problemas que os afetam.
Para que se compreenda quão baixo conseguimos descer o nível da nossa democracia representativa, vou deixar-vos aqui um exemplo para reflexão. Ficou agora a saber-se que em 2014 se gastaram mais de 3 milhões e 100 mil euros com ajudas de custo na Assembleia da República. O problema já nem sequer é o valor desta despesa. É o de não se conseguir perceber – seja de que forma for – como foi gasto tanto dinheiro. E isso é que é grave.
Os portugueses apenas foram informados de que o valor pode globalmente ser dividido em duas partes: uma, de quase 3 milhões de euros, “referentes a ajudas de custo em território nacional”. Outra, constituída pelos restantes 150 mil euros, relativa “a ajudas de custo sobre deslocações ao estrangeiro”. Contas feitas, e é apenas de médias que falo – cada deputado português gastou em média 13 mil e 500 euros euros em 2014, só em ajudas de custo. Se integrarmos estes valores nos custos totais de funcionamento do nosso Parlamento, e sempre comparando apenas o que é comparável, apercebemo-nos de como a nossa democracia tem sido demasiado cara para aquilo que tem produzido.
De facto, tomando como referência o país de Obama, ficamos a saber que cada deputado luso custa anualmente 98 cêntimos de euro a cada português, enquanto nos Estados Unidos cada deputado custa apenas 23 cêntimos de euro a cada americano. Isto é, se entrarmos em linha de conta com as correções recomendadas pelo efeito de escala e poder de compra efetuadas pelos especialistas, cada um dos deputados portugueses custa per capita 9,8 vezes mais do que os seus homólogos norte-americanos!
Não me agrada ser tacanho em relação a esta questão da remuneração e dos custos da nossa democracia. Mas diferenças tão gritantes não podem deixar-nos indiferentes. O que está aqui em causa é sobretudo a simbologia do fracasso. Infelizmente já vi algumas ditaduras conseguirem melhores performances económicas e sociais do que a nossa quarentona democracia. E pelo caminho que as coisas levam, não há razões para otimismos. É que por essa Europa fora os escândalos repetem-se, atingindo mortalmente o próprio Parlamento Europeu e as benesses concedidas aos seus deputados.
Dito isto, quero crer que o que a nossa democracia precisa é mesmo de tomar o próprio remédio que nos vem impingindo: um programa por objetivos, com inclusão de para aí metade dos políticos numa espécie de “requalificação”: 60% de ordenado no primeiro ano, 40% no segundo ano, e por aí fora. Com efeitos irreversíveis e sem cedências a corporativismos.

Caso contrário, um dia destes acontece-lhes algo parecido com a Grécia: enxovalho e abandalho! É que se hoje é capaz de haver para aí muitos a dizerem "Eu sou grego!", outros, ao contrário, dirão em surdina: "Estou a ver-me grego"... Ou não?... 
Muito bom dia a todos!

(Crónica na Rádio F, dia 26 de Janeiro de 2015)