Começo esta crónica com
uma declaração de interesses. Sou democrata, mas não daqueles abundantemente fabricados
em aviário após o 25 de Abril. Não sou, por exemplo, um sub-produto das Jotas,
ao contrário da maioria dos políticos que por aí andam. Já antes da revolução tinha
eu plena consciência das condições de vida de um povo à data martirizado por
dois flagelos: a guerra colonial e a exploração da mão-de-obra que obrigou tantos
a partirem para longe de Portugal.
Hoje, decorridos tantos
anos, confronto-me, como tantos portugueses, com uma certa sensação de dejá vu. E é isso que cria em nós aquele
sentimento de frustração e de desânimo que nos invade o espírito. Por isso,
continuando embora a defender ideais democráticos, acredito hoje muito menos na
democracia representativa do que no dia dos cravos. É que é tal o grau de parasitagem
que se lhe vai associando – e infelizmente não falo apenas de Portugal – que só
imagino uma saída para a crise em que estamos mergulhados: um reforço real da
democracia participativa que motive os cidadãos a debaterem e a decidirem de
forma mais direta e consciente acerca dos problemas que os afetam.
Para que se compreenda
quão baixo conseguimos descer o nível da nossa democracia representativa, vou
deixar-vos aqui um exemplo para reflexão. Ficou agora a saber-se que em 2014 se
gastaram mais de 3 milhões e 100 mil euros com ajudas de custo na Assembleia da
República. O problema já nem sequer é o valor desta despesa. É o de não se
conseguir perceber – seja de que forma for – como foi gasto tanto dinheiro. E
isso é que é grave.
Os portugueses apenas
foram informados de que o valor pode globalmente ser dividido em duas partes: uma,
de quase 3 milhões de euros, “referentes a ajudas de custo em território
nacional”. Outra, constituída pelos restantes 150 mil euros, relativa “a
ajudas de custo sobre deslocações ao estrangeiro”. Contas feitas, e é apenas de
médias que falo – cada deputado português gastou em média 13 mil e 500
euros euros em 2014, só em ajudas de custo. Se integrarmos estes valores nos
custos totais de funcionamento do nosso Parlamento, e sempre comparando apenas
o que é comparável, apercebemo-nos de como a nossa democracia tem sido
demasiado cara para aquilo que tem produzido.
De facto, tomando como referência
o país de Obama, ficamos a saber que cada deputado luso custa anualmente 98
cêntimos de euro a cada português, enquanto nos Estados Unidos cada deputado
custa apenas 23 cêntimos de euro a cada americano. Isto é, se entrarmos em
linha de conta com as correções recomendadas pelo efeito de escala e poder de
compra efetuadas pelos especialistas, cada um dos deputados portugueses custa per capita 9,8 vezes mais do que os seus
homólogos norte-americanos!
Não me agrada ser tacanho
em relação a esta questão da remuneração e dos custos da nossa democracia. Mas
diferenças tão gritantes não podem deixar-nos indiferentes. O que está aqui em
causa é sobretudo a simbologia do fracasso. Infelizmente já vi algumas
ditaduras conseguirem melhores performances
económicas e sociais do que a nossa quarentona democracia. E pelo caminho que
as coisas levam, não há razões para otimismos. É que por essa Europa fora os
escândalos repetem-se, atingindo mortalmente o próprio Parlamento Europeu e as
benesses concedidas aos seus deputados.
Dito isto, quero crer que
o que a nossa democracia precisa é mesmo de tomar o próprio remédio que nos vem
impingindo: um programa por objetivos, com inclusão de para aí metade dos políticos
numa espécie de “requalificação”: 60% de ordenado no primeiro ano, 40% no
segundo ano, e por aí fora. Com efeitos irreversíveis e sem cedências a
corporativismos.
Caso contrário, um dia
destes acontece-lhes algo parecido com a Grécia: enxovalho e abandalho! É que se
hoje é capaz de haver para aí muitos a dizerem "Eu sou grego!", outros,
ao contrário, dirão em surdina: "Estou a ver-me grego"... Ou não?...
Muito
bom dia a todos!
(Crónica na Rádio F, dia 26 de Janeiro de 2015)