sexta-feira, dezembro 22, 2023

José Régio

A 22 de Dezembro de 1969 falecia José Régio.
Foi escritor, poeta, dramaturgo, ensaísta, cronista, crítico, memorialista, epistológrafo e historiador da literatura portuguesa, para além de editor e diretor da influente revista literária “Presença'' em colaboração com Branquinho da Fonseca e João Gaspar Simões. Lembrar que a revista "Presença" marcou o segundo modernismo português.
Foi ainda professor, pintor e um grande conhecedor e colecionador de arte sacra e popular.
Natural de Vila do Conde onde estudou até ao quinto ano dos liceus.
Aos dezoito anos foi para Coimbra, onde se licenciou em Filologia Românica em 1925, com a tese "As correntes e as individualidades na moderna poesia portuguesa". 
Esta tese na época passou um pouco ignorada, uma vez que valorizava poetas quase desconhecidos na altura, como Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro. 
Foi em 1927 que José Régio começou a leccionar português e francês num liceu no Porto, até 1928, e a partir desse ano em Portalegre.
Em toda a sua obra está bem presentes os problemas relativos ao conflito entre o Homem e Deus, o artista e a sociedade, o Eu e os outros. 
Um poema inesquecível de José Régio. 

“Cântico Negro” 

"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces

Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...

A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe

Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...

Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...

Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!