terça-feira, dezembro 26, 2023

Ponto de vista

Para terminarmos esta série de crónicas antes da paragem para as festas natalícias trago-vos dois temas que estão interligados - o aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos e a COP28.
São dois temas que revelam o caos que está instalado no nosso planeta. São apenas dois temas, mas poderiam ser muitos mais. Mas julgo resumirem a situação catastrófica que vivemos e a falta de resposta de uns líderes mundiais que se mostram incapazes de construir um mundo novo com um futuro diferente.
A elite governativa, enclausurada em redoma de vidro à prova de tudo, inaudível aos clamores de milhões que gritam por justiça, comida, saúde, educação, paz e tantos outros direitos.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos celebra as bodas de diamante.2023 marca o septuagésimo quinto aniversário de uma das promessas globais mais inovadoras do mundo: a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Mas o que há para comemorar para além da efeméride? Nada! Hoje, este é um documento histórico, que pretende consagrar os direitos que assistem a todas as pessoas enquanto seres humanos, independentemente da raça, cor, religião, sexo, língua, opinião política, origem nacional ou social, propriedade, nascimento ou outro estatuto.
Proclamada em Paris, na Assembleia Geral das Nações Unidas de 10 de Dezembro de 1948, está disponível hoje em mais de 500 línguas, sendo o documento mais traduzido do mundo. Não bastam palavras de circunstância ao dizer-se que os conflitos estão a espalhar-se com virulência. Que a pobreza e a fome estão a aumentar. As desigualdades estão a tornar-se mais profundas, as alterações climáticas a tornarem-se uma crise humanitária, o autoritarismo a aumentar, o espaço de cidadania a diminuir, os meios de comunicação estão sitiados, a igualdade de género é um sonho distante e os direitos reprodutivos das mulheres estão a retroceder. Não, não basta!
Não aceitamos que a Declaração seja apenas um documento histórico, mas um testemunho vivo da humanidade que partilhamos.
Exige-se acção e menos retórica ou teremos a falência das instituições, todas elas. A grande verdade é que o mundo sofre atualmente com níveis de conflitos violentos nunca vistos desde o final da II Guerra Mundial, mas também com o agravamento das desigualdades, o aumento da discriminação e o discurso do ódio, da impunidade, do aumento das divisões e polarização, além da emergência climática.
E de emergência climática se falou nos últimos tempos. O meio ambiente enfrenta várias ameaças como o aquecimento global, a perda da biodiversidade e a desertificação. Diante desses riscos, as Nações Unidas organizam as chamadas COPs.
A primeira teve lugar em Berlim nesse longínquo ano de 1995.
Mas a primeira grande resolução surgiu com a COP3 em Kyoto.
O então proclamado Protocolo de Kyoto era um compromisso entre todos os países signatários do documento para limitar as emissões de gases de efeito estufa, reduzindo as emissões em pelo menos 5% em comparação com os níveis de 1990 e até 2012.
Era manifestamente muito pouco. Estudos recentes apontam para uma redução de 40% a 70% entre os anos de 2010 e 2050 na emissão de gases de efeito estufa. Como consequência da inutilidade do protocolo, o efeito estufa continuou e acentuou-se. E houve necessidade de um novo acordo na COP21 em Paris. Mas e mais uma vez a ganância dos países ricos sobrepôs-se aos interesses do planeta.
E agora chegou-se à COP28 realizada, ironia do destino, no Dubai.
Dizem-nos e querem fazer-nos crer que vai haver uma redução dos combustíveis fosseis. Mas basta sabermos que pelo menos 2 456 lobistas de combustíveis fósseis tiveram acesso às negociações climáticas da COP28 para que tudo seja um engodo, mais um.
Mais grave foi vermos os Emirados Árabes Unidos, os Estados Unidos da América do Norte, a própria União Europeia a saudarem o acordo quando se sabe que o presidente desta COP28 é só o presidente da empresa nacional de petróleo dos Emirados Árabes Unidos. Uma empresa que segundo dados de um recente estudo científico demoraria 343 anos para que se capturasse as emissões de dióxido de carbono que a empresa emitirá nos próximos seis anos.
Recordar que 2023 foi mais um ano catastrófico, com eventos climáticos extremos atingindo todo o planeta, desde chuvas sem precedentes na Líbia, seca severa na Amazónia, temperaturas elevadíssimas em toda a Europa, um aumento acentuado das mortes no Arizona são apenas alguns exemplos.
Então como explicar que repetidamente a indústria de combustíveis fósseis dite as regras climáticas?
A COP28 devia ser uma reunião de países e comunidades para debaterem as suas vidas e não um encontro dominado pelas empresas fósseis e os seus intermediários que estão ali pelos seus lucros e não pela melhoria da vida do planeta.
Redução dos combustíveis fósseis até 2030?
Mas 2030 é já amanhã.
Como pode haver tanta hipocrisia com uma proposta que é contrária aos interesses financeiros dos maiores produtores de combustíveis fósseis? Lembrar que o 1% mais rico da população mundial é responsável pela mesma quantidade de emissões de carbono que os dois terços mais pobres do planeta. Será preciso dizer mais alguma coisa?
Tenham umas Boas Festas!

(Crónica Rádio F - 18 de Dezembro 2023)