O
presidente da Comissão de Recrutamento e Selecção para a Administração Pública,
CRESAP, em entrevista à Lusa confessou recentemente que sentiu
"tristeza" face às nomeações políticas para cargos de direcção na
área da Segurança Social.
Conforme
foi tornado público, a totalidade desses cargos foi atribuída a pessoas da área
do PSD e do CDS. João Bilhim, o tal presidente da CRESAP, referiu ainda que
sentiu "muito desconforto", pois nunca pensou que "acontecesse
o que aconteceu".
Afirmou
também, citando, "Entristeceu-me imenso. Acreditei profundamente que o
membro do Governo ia escolher aleatoriamente. Nunca previ que existisse uma preocupação,
uma fome tão grande, achava que, enfim... Desconsolou-me. Não gostava que isso
tivesse acontecido, sempre achei que o Governo iria escolher em termos
técnicos, não iam ligar à ligação política ou partidária".
Na
verdade, eu próprio é que nunca pensei ter de vir a ouvir, da boca do
presidente da CRESAP, declarações tão patéticas. E foi isso que realmente me
entristeceu. Das duas uma, ou João Bilhim é um ingénuo, ou está a gozar com a
cara dos portugueses. Ocupando o cargo que ocupa, tinha a obrigação de conhecer
um estudo da Universidade de Aveiro, divulgado em Fevereiro de 2014, que avaliou
as nomeações políticas de diferentes governos. Foram cerca de 11 000 em 15
anos, para a hierarquia da administração pública. Esse estudo concluiu, de
forma que a experiência quotidiana do comum dos mortais não consideraria completamente
inesperada, que o critério predominante foi o do cartão partidário. O objectivo
deste método mafioso de nomear apenas a gosto é o de controlar as políticas
públicas e de pagar ou antecipar o pagamento de favores, de serviços e de
fidelidades. O objectivo é perpetuar o poder.
Aquilo
que já todos sabemos, com a aparente excepção de João Bilhim e dos militantes
mais fanáticos dos partidos, é que nas últimas décadas se assistiu à emergência
de lideranças políticas de uma mediocridade notável. Temos instalado em
Portugal uma partidocracia das mais abjectas, a que se soma uma autêntica
plutocracia. Ambas tornam indestrutível uma complexa teia de influências e sustentam
uma cuidada gestão dos aparelhos partidários, de onde são, quase que
exclusivamente, recrutados os dirigentes da enorme máquina da administração
pública e das instituições e entidades sob tutela do Estado ou que dele dependam
de algum modo.
Para
agravar o problema, esta teia mafiosa associa-se à intervenção privada,
sobretudo nos domínios, e são muitos, em que existem interesses em ligação com
o Estado, de que a banca e as obras públicas são apenas dois exemplos. Aliás,
os últimos tempos têm sido particularmente estimulantes nesta matéria. O
cenário é desde cedo preparado e alimentado através de uma das formas mais
eficazes de progressão social e profissional existente em Portugal: a pertença
a uma juventude partidária, sobretudo quando se fala dos partidos do chamado arco
do poder. Basta olhar para quem lidera hoje os diferentes partidos e tirar as
inevitáveis conclusões…
Quando
olho para a rapaziada sem currículo credível, académico ou profissional, que por
aí enxameia os gabinetes ministeriais, não é difícil constatar, como
característica comum, a pertença prévia a "uma" jota onde
desempenharam cargos que os catapultaram depois para assessores ou deputados.
Deram assim início a uma bela e promissora carreira encavalitada na despudorada
utilização da administração pública, central, local e empresarial para a
distribuição dos pretendidos jobs for the boys and girls. A sociedade
portuguesa está tão cheia de exemplos destes como um cão sarnento infestado de
pulgas e carraças. Desconhecer ou pretender ignorar toda esta rede de
interesses, todo este cancro que corrói o nosso tecido social e a nossa
democracia, é o mesmo que desempenhar o papel de pulga em vez do papel de cão. Ou,
se acharem que é insignificante, o papel da carraça, que pelo menos sempre é
maior.
Tenham
um muito bom dia.
(Crónica
na Rádio F – 4 de Maio de 2015)