O
Governo anunciou há algum tempo que iria aumentar em cerca de 10 mil o n.º de
vagas nos lares da terceira idade. Mas desengane-se quem julgou que isso
equivaleria a um aumento de novos lares. Nada disso. A solução passa por
alterar administrativamente, de 60 para 120, o número de vagas para residentes
em cada instituição, nomeadamente através da duplicação do n.º de pessoas por
quarto. Isso mesmo, mais camas por divisão!
Embora
se diga que o povo tem a memória curta, eu ainda me lembro do tempo em que o
CDS, em campanha eleitoral, se apresentava como a voz dos idosos. Era o partido
dos reformados. No Governo, tudo mudou. O CDS passou a ser o partido que apoia
o congelamento de pensões de reforma e o corte nos subsídios de férias e de
Natal aos pensionistas.
Os
empreendedores do sector ficar-lhe-ão eternamente gratos pela duplicação do
valor com que o Estado e os reformados remuneram cada centímetro quadrado das
suas explorações. Agora a União das Misericórdias Portuguesas, a Confederação
Nacional das Instituições de Solidariedade e a União das Mutualidades
Portuguesas obtiveram do Governo licença para aumentarem o valor cobrado aos
idosos que recorram aos lares da chamada “rede solidária”. A partir de agora
podem exigir-lhes uma percentagem maior da pensão de reforma que recebam e essa
percentagem passa a incidir também sobre outros rendimentos.
O
Governo que confisca pensões de reforma diz que não pode aumentar o valor da
comparticipação estatal por utente. Os empresários do sector alegam que o
utente de hoje é muito menos autónomo do que o utente de há 20 anos, o que faz
aumentar custos com pessoal. Pessoal esse, note-se, que maioritariamente não
aufere mais do que um salário mínimo ou próximo disso. Os empresários alegam
ainda que a progressiva maior dependência dos idosos faz aumentar custos com infraestruturas,
as quais, mercê do acordo anterior podem no entanto ser agora mais reduzidas.
A
“solidariedade” é, assim, um negócio cada vez mais lucrativo. E naturalmente mais
caro para quem a ele recorre. Por isso, não é de estranhar que tivesse
aumentado o número de idosos a viverem isolados e sozinhos em Portugal. Quantos
conseguem pagar a exorbitância das mensalidades, agora aumentadas, mesmo nos
lares ditos solidários?
Podem
depois fazer-se campanhas de televisão a mostrarem soldados da GNR a patrulhar
e a aconselhar os idosos que vivem sozinhos e isolados. O problema não se
resolve com campanhas dessas. Não passam de formas propagandísticas de mascarar
o problema. O que os idosos gostariam mesmo é de terem um lar onde conviver, de
serem bem alimentados e de terem cuidados médicos compatíveis com um resto de
vida com dignidade.
Isto
é o mínimo que uma sociedade solidária deve fazer por respeito para quem já não
pode manter uma vida ativa e produtiva ou que se encontra, tantas vezes,
totalmente dependente de terceiros.
Infelizmente,
em Portugal continuam a existir idosos sem telefone ou corrente elétrica e com
condições muito degradadas de habitabilidade. A este cenário vem juntar-se a
desagregação do SNS, com o encerramento de extensões de saúde no meio rural e
uma cada vez maior dificuldade no acesso a cuidados hospitalares
especializados. Se somarmos a isto a desagregação das famílias por força do
desemprego e da emigração forçada, bem como a quebra de rendimentos,
compreendemos como uma campanha porta-a-porta da GNR não passa de uma aspirina
para tentar curar um cancro.
O
problema já não é os idosos serem tratados desta maneira. O problema reside no
facto de este tratamento por abandono alastrar cada vez mais a outras
responsabilidades do Estado. Como dizia Victor Hugo, em “Os Miseráveis”, a
miséria de uma criança interessa a uma mãe, a miséria de um rapaz interessa a
uma rapariga, a miséria de um velho não interessa a ninguém. Ou seja, Portugal
não é um país para velhos.
Tenham um bom dia.
(Crónica na Rádio F - Ponto de Vista - 11 de Maio de 2015)