Foi
publicado em Diário da República o Programa de Estágios Profissionais na
Administração Local, que contará com 1 500 vagas no próximo ano. O programa
destina -se a jovens licenciados até 29 anos de idade que estejam à procura do
primeiro emprego ou que tenham a infelicidade de já estarem desempregados.
Será
dada primazia, no contexto da administração local, às funções prioritariamente
correspondentes à carreira de técnico superior do regime geral da função
pública. Aos estagiários será concedida uma bolsa de estágio, a fixar por
portaria, e será pago o subsídio de refeição.
O
estágio não garante um emprego na administração local, mas alegrem-se, porque
no futuro dará prioridade no recrutamento através de concurso. Isso mesmo! Sabendo-se
como estas coisas funcionam, é quase premonitório que o diploma faça
referência, e passo a citar de memória, aos “métodos de seleção diferenciados
mas assegurando a sua transparência e isenção, através da integral publicitação
dos critérios de avaliação, e garantindo um processo transparente e rigoroso na
distribuição dos estágios pelas autarquias e no acompanhamento dos estágios”.
Ora toma lá! É isso mesmo que estão a pensar. Promete-se rigor nos concursos
públicos e, para o garantir, nada melhor do que escolher candidatos que já
fizeram o dito cujo estágio, cheiinho de isenção e de transparência...
Como
diria o povo, é um diploma que dá aos lobos a faculdade de começarem a escolher
as ovelhas que hão-de meter no redil. Vamos assistir a mais uma daquelas
chico-espertezas à portuguesa, em que o recurso a este tipo de expediente vai
servir, mais tarde, para “legitimar” através do tal concurso público o acesso
de quem se queira a um lote de empregos hoje tão raros como difíceis de
alcançar.
E
garanto-vos que vai ser tudo absolutamente legal e à prova de qualquer
escrutínio. Só vão contratar gente competente e absolutamente honesta, “que até
fez um estágio”. Como é aliás costume no nosso país.
Confesso-vos
que o que me irrita mais nem é isto. É que os filhos, amigos e conhecidos dos
autarcas, por mais incompetentes ou potencialmente corruptos que sejam, também têm
direito constitucional a um emprego. O que me incomoda verdadeiramente é que
estes expedientes sejam usados para mascarar os números do desemprego e para
promover a propaganda demagógica a que vimos assistindo ultimamente.
Não
basta o facto de uma parte significativa da alegada melhoria desses números
provir do fenómeno da sazonalidade. Ou de esses números não incorporarem o
abate decorrente de jovens que continuam a emigrar não oficialmente em grandes
números. Ou que não se tenha em conta as pessoas que simplesmente desistiram de
ter esperança, seja pela idade ou pela fraca qualificação escolar e
profissional, ou até pelas duas coisas em simultâneo. Agora até estes estágios
contam como empregos!
Além
disso, mesmo que os números fossem reais, e está visto que não são, não
incorporam a parte mais importante da questão: a qualidade do emprego que
temos. Como sabemos, cada vez mais empregos roçam a indignidade da escravatura.
Trabalha-se, vive-se e morre-se com o medo de se perder uma porcaria de
emprego, apenas porque não temos alternativa.
Eu
pergunto: que percentagem dos portugueses é que está verdadeiramente satisfeita
com o emprego que tem, quando ele existe?
Ora,
é esta questão que o governo e até o PS nunca querem discutir. Porquê? Porque
para eles, felicidade não tem nada a ver com o emprego que se tem e com a
dignidade que ele nos proporciona. Felicidade tem muito mais a ver com o lucro,
o dinheiro que se tem e coisas do género.
Para
a direita, o dinheiro é simplesmente a medida de todas as coisas.
Eça
de Queiroz, que compreendia como ninguém estas coisas, disse no seu tempo que este
governo não cairá porque não é um edifício, só sairá com benzina porque é uma
nódoa. Eu digo mais. Este governo só cai mesmo se no fim pusermos fogo à
benzina.
Um bom dia para todos.
(Crónica na rádio F - dia 10 de Novembro de 2014)