Não
sei se ainda se recordam da rábula de há uns tempos atrás, de Paulo Futre e dos
voos charter a aterrar na Portela, carregados de chineses, cujos bolsos, a
abarrotarem de graveto, criariam emprego e salvariam Portugal. Como uma ideia
ridícula nunca vem só, temos agora aí o escândalo dos vistos dourados ou, para os
mais americanistas, o visagate.
A
esquerda na altura bem avisou que se estava a abrir uma autoestrada para a
corrupção. Infelizmente a premonição fez-se realidade e agora temos de aturar o
passa-culpas. Para o governo, trata-se apenas de um caso de polícia. Mas
infelizmente não é, é um caso que abala o regime e o estado até às suas
fundações. E é nessa perspetiva que tem de ser discutido.
O
modelo em curso assentou numa negociata do piorio: a troca de um visto por meio
milhão de euros. E não vale a pena virem falar-nos dos raríssimos casos que
chamaria de limpos, os poucos em que efetivamente se criou emprego ou em que se
realizaram investimentos a sério.
Portugal
tornou-se no paraíso fiscal dos vigaristas e trafulhas do resto do mundo.
Poderia ter sido na Guiné-Bissau ou no Burkina Fasso, mas o problema é que esta
gente queria mesmo era vir para a Europa e não para países onde a ladroagem é
pé descalço. Por isso calhou-nos a nós. À custa da venda de casas de luxo,
procede-se à lavagem de dinheiro cuja origem e legitimidade desconhecemos.
Dinheiro que terá causado muito sofrimento noutras partes do mundo, sobretudo
na China. Ninguém ignora o que é hoje aquela parte do mundo, onde alguém que
tenha uma dor de dentes corre o risco de encontrar o seu emprego já ocupado,
quando tentar regressar.
Argumentaram
alguns que isto também se faz noutros países e que se recusarmos este modelo,
são os outros que ficam com tudo. Eu respondo que não está demonstrado que o
modelo dos outros seja tão mau como o nosso. Além disso, mesmo que seja,
deveríamos simplesmente abdicar de querer resolver os nossos problemas através
da venda da alma ao diabo, só porque outros o fazem.
Mas
o problema não fica por aqui. Para além da imoralidade de a medida ser uma
forma de permitir apenas a entrada a imigrantes ricos, mas não forçosamente a
pessoas melhores, ela confronta-nos com algo mais. Já todos percebemos que o
esquema servia sobretudo o lucro duma minoria e nunca o interesse do estado,
que é aquela coisa que diz respeito a todos nós. Este verdadeiro complot
permitiu a revitalização extraordinária do setor do imobiliário de luxo, com
lucros astronómicos que permitiam o pagamento de luvas e de comissões a uma
casta de elite. Por isso não admira que alguns continuem a defender a ideia
como boa. Pelo menos para eles.
O
mais interessante é que as pessoas envolvidas têm sempre relações, sejam elas
pessoais ou empresariais, com alguém que conhecemos como estando ou tendo
estado ligado ao poder. Lembram-se do caso de Oliveira e Costa e Cavaco Silva?
Pois bem, agora os arguidos podem ser ligados desta forma a personagens como
Marques Mendes, ao ministro da administração interna, à ministra da justiça ou ao
chefe do SIS. Ainda por cima os envolvidos ocupam altos cargos e desempenham
importantes funções no estado. Isto demonstra à saciedade quão corruptas estão
as nossas instituições e o poder que gere os nossos destinos.
Alguém
disse um dia que a melhor maneira de sermos enganados é julgarmo-nos mais
espertos do que os outros. Por isso é melhor não acalentarmos muitas
esperanças. O mais provável é que a golpada passe impune para os diretamente
envolvidos. Por um lado, a demissão do ministro da administração interna é
coisa curta. Alguém tinha de dar a cara. Por outro, num país normal, o ministro
que no governo promoveu este modelo também já tinha ido abaixo. Só que para
isso era preciso que a vergonha que assaltou Miguel Macedo incomodasse também Paulo
Portas.
A
verdade é que com chinesices destas ou sem elas, Portugal é cada vez mais um
país de ladrões, de chico-espertos e de corruptos. E olhem que não falo
daqueles que vêm de fora!
Tenham na mesma um muito bom dia.
(Ponto de Vista - Crónica na rádio F - 17 de Novembro de 2014)