segunda-feira, novembro 17, 2014

Ponto de Vista

Não sei se ainda se recordam da rábula de há uns tempos atrás, de Paulo Futre e dos voos charter a aterrar na Portela, carregados de chineses, cujos bolsos, a abarrotarem de graveto, criariam emprego e salvariam Portugal. Como uma ideia ridícula nunca vem só, temos agora aí o escândalo dos vistos dourados ou, para os mais americanistas, o visagate.
A esquerda na altura bem avisou que se estava a abrir uma autoestrada para a corrupção. Infelizmente a premonição fez-se realidade e agora temos de aturar o passa-culpas. Para o governo, trata-se apenas de um caso de polícia. Mas infelizmente não é, é um caso que abala o regime e o estado até às suas fundações. E é nessa perspetiva que tem de ser discutido.
O modelo em curso assentou numa negociata do piorio: a troca de um visto por meio milhão de euros. E não vale a pena virem falar-nos dos raríssimos casos que chamaria de limpos, os poucos em que efetivamente se criou emprego ou em que se realizaram investimentos a sério.
Portugal tornou-se no paraíso fiscal dos vigaristas e trafulhas do resto do mundo. Poderia ter sido na Guiné-Bissau ou no Burkina Fasso, mas o problema é que esta gente queria mesmo era vir para a Europa e não para países onde a ladroagem é pé descalço. Por isso calhou-nos a nós. À custa da venda de casas de luxo, procede-se à lavagem de dinheiro cuja origem e legitimidade desconhecemos. Dinheiro que terá causado muito sofrimento noutras partes do mundo, sobretudo na China. Ninguém ignora o que é hoje aquela parte do mundo, onde alguém que tenha uma dor de dentes corre o risco de encontrar o seu emprego já ocupado, quando tentar regressar.
Argumentaram alguns que isto também se faz noutros países e que se recusarmos este modelo, são os outros que ficam com tudo. Eu respondo que não está demonstrado que o modelo dos outros seja tão mau como o nosso. Além disso, mesmo que seja, deveríamos simplesmente abdicar de querer resolver os nossos problemas através da venda da alma ao diabo, só porque outros o fazem.
Mas o problema não fica por aqui. Para além da imoralidade de a medida ser uma forma de permitir apenas a entrada a imigrantes ricos, mas não forçosamente a pessoas melhores, ela confronta-nos com algo mais. Já todos percebemos que o esquema servia sobretudo o lucro duma minoria e nunca o interesse do estado, que é aquela coisa que diz respeito a todos nós. Este verdadeiro complot permitiu a revitalização extraordinária do setor do imobiliário de luxo, com lucros astronómicos que permitiam o pagamento de luvas e de comissões a uma casta de elite. Por isso não admira que alguns continuem a defender a ideia como boa. Pelo menos para eles.
O mais interessante é que as pessoas envolvidas têm sempre relações, sejam elas pessoais ou empresariais, com alguém que conhecemos como estando ou tendo estado ligado ao poder. Lembram-se do caso de Oliveira e Costa e Cavaco Silva? Pois bem, agora os arguidos podem ser ligados desta forma a personagens como Marques Mendes, ao ministro da administração interna, à ministra da justiça ou ao chefe do SIS. Ainda por cima os envolvidos ocupam altos cargos e desempenham importantes funções no estado. Isto demonstra à saciedade quão corruptas estão as nossas instituições e o poder que gere os nossos destinos.
Alguém disse um dia que a melhor maneira de sermos enganados é julgarmo-nos mais espertos do que os outros. Por isso é melhor não acalentarmos muitas esperanças. O mais provável é que a golpada passe impune para os diretamente envolvidos. Por um lado, a demissão do ministro da administração interna é coisa curta. Alguém tinha de dar a cara. Por outro, num país normal, o ministro que no governo promoveu este modelo também já tinha ido abaixo. Só que para isso era preciso que a vergonha que assaltou Miguel Macedo incomodasse também Paulo Portas.

A verdade é que com chinesices destas ou sem elas, Portugal é cada vez mais um país de ladrões, de chico-espertos e de corruptos. E olhem que não falo daqueles que vêm de fora! 
Tenham na mesma um muito bom dia.

(Ponto de Vista - Crónica na rádio F - 17 de Novembro de 2014)