As
sociedades humanas, pelo menos as que se consideram civilizadas, gostam de
fazer alarde da sua democracia representativa. Aliás, é hoje um dado consensual
em muitos países que uma sociedade só é civilizada se for democrática. No
entanto, esta não passa de uma forma algo redutora de vermos as coisas, usada sobretudo
para repouso da nossa consciência.
O
que define uma sociedade civilizada não é afinal a democracia, mas antes a
civilidade. Ainda que a primeira não exista sem a segunda. Vou dar-vos um
exemplo de como uma sociedade pode ser democrática e, ainda assim, não ser convenientemente
civilizada.
Há
uns anos, comandava Abílio Curto os destinos da autarquia da Guarda, decidiu-se
cortar umas quantas árvores centenárias para permitir a instalação de um posto
de abastecimento de gasolina. Logo se levantou, e muito bem, um coro de
protestos contra o abate das ditas árvores.
Agora,
para se construir uma rotunda de duvidosa eficácia e garantida fealdade
urbanística, visando resolver o problema de acesso a um bairro da cidade,
cortaram-se igualmente árvores centenárias de porte considerável.
O
curioso é que vivendo nós, como há uns anos, numa democracia representativa,
não se assistiu desta vez a qualquer protesto contra o abate de árvores tão
veneráveis como aquelas de que falei primeiro.
Significa
isto que a nossa democracia é hoje menos representativa do que no tempo de
Abílio Curto? Não. Significa é que tem cada vez menos qualidade. Ou, por outras
palavras, há cada vez menos democracia, embora a que exista represente cada vez
melhor certos interesses.
Não
interpretem isto como um particular elogio ao fervor democrático de Abílio Curto,
que valia aquilo que todos bem sabemos, ou uma acintosa crítica ao desrespeito de
Álvaro Amaro pelos valores da civilidade, que já era então tão grande como é
hoje.
Quero
com isto dizer que o que tem vindo a piorar não são os políticos, que sempre foram
da pior qualidade. É o povo meus senhores, ou seja, é cada um de nós que se tem
vindo a “descivilizar”.
Por
isso não admira que se assista a uma cada vez maior degradação urbanística, de
que é exemplo a proliferação de esplanadas e de outro tipo de aconchegos pelos
passeios da nossa cidade.
Aos
poderes instalados pouco importa que uma cidade, uma rua, uma praça, detenham
também a função de educar e de contribuir para uma certa harmonia da comunidade.
E ao povo cada vez menos importa que os poderes instalados não se importem nada
com aquilo que deviam.
Não
invoco aqui o total desrespeito pelos direitos de cidadãos com dificuldades de
mobilidade, nomeadamente os invisuais ou os deficientes motores, para quem a
fruição de um passeio público equivale hoje quase ao atravessamento de um campo
de minas na Síria. Limito-me a invocar o respeito pelo mais elementar bom senso
e pelo brio que qualquer sociedade civilizada e pujante deveria querer
cultivar.
Uma
sociedade que publicita os nomes dos cidadãos que, muito à custa de uma crise
que afeta particularmente os mais vulneráveis, não conseguiram pagar a conta da
água, mas que permite coisas como aquelas a que acabei de me referir, é simplesmente
uma sociedade de parolos.
Importa
por isso perceber que, parolos, há muitos. Há os estúpidos e os espertos. Os
primeiros normalmente fazem de povo, os segundos costumam ir para políticos. E
entre os do povo há infelizmente ainda, como dizia fleumaticamente um satirista
e panfletário austríaco, os que são imbecis superficiais e os que são imbecis
profundos. Quanto aos políticos, podem até ser espertos, mas não deixam de ser
parolos. A mistura das duas qualidades criou uma nova casta, a dos idiotas. São
aquele tipo de gente que por mais parola que seja, conseguirá sempre achar que os
outros são ainda mais parolos do que eles! Ou coisa parecida.
Muito bom dia a
todos.
( Ponto de vista, na rádio F - 3 de Novembro de 2014)