O
café do meu bairro tem por esta altura do ano, muita freguesia. Ainda bem para a
dona Cassilda que, desta forma, sempre vai ganhando algum.
Mesas
livres, à hora do almoço, é coisa rara. São em especial os emigrantes que
invadem o café da Cassy, que é como os residentes do bairro a tratam.
Lá
falam uma língua estranha, nem francês, nem alemão e português, mesmo com
acordo, é que não é, disso vos garanto.
Um
dia destes, o senhor Reis e a esposa lá conseguiram arranjar uma mesa a muito
custo. Com mais uma cadeira e outra, lá se foram sentando os habituais de todos
os dias do ano, do café da «uma», na cafetaria do bairro.
O
tema da conversa foram as obras da nova rotunda do bairro dos «bentos», agora
com novo nome, bairro da Luz. Obras que ora determinam que o trânsito se
processe no sentido ascendente ou, no dia seguinte, já temos o trânsito no
sentido descendente. A confusão é generalizada. Isto para não falar no abate
das árvores centenárias. Crime público é consenso geral.
Mas,
o senhor Abílio, homem reformado da função pública e, dado a passear pela
cidade, frequentador de outros cafés, farmácias e barbearias trouxe algumas novidades
que fizeram furor. Soube o senhor Abílio numa dessas suas tertúlias de
estabelecimento do centro da cidade, que o quartel da Guarda Nacional
Republicana vai ser instalado no Hotel Turismo.
-
O quê? gritou o senhor Costa quase atirando com a chávena de café para cima da
dona Etelvina, acabadinha de chegar da cabeleireira.
-
Mas e a escola de hotelaria? Perguntou a dona Carmo.
-
Depois da venda mais que fictícia ao Sócrates ou ao Turismo de Portugal, só
faltava agora meterem cavalos e éguas no hotel, que já foi de turismo.
-
Só nesta cidade, rematou o senhor Silva, enquanto mexia no bigode,
acrescentando – tudo se pode esperar numa cidade em que o frontispício do antigo
liceu da Guarda foi parar a porta do cemitério! De facto esta cidade merecia
mais, rematava o senhor Silva enquanto continuava a alisar o bigode.
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É como vos digo, quartel da GNR no hotel turismo, insistia o Abílio.
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Piscina para darem banho aos cavalos e éguas não falta e nada melhor para a
cidade do que existir uma estrabaria mesmo em frente à câmara municipal,
comentava a dona Rosa, enquanto a cadela ladrava a um petiz que comia um
gelado.
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Não morde menino, acalmava a dona Rosa o petiz já aflito com o ladrar da
cadela!
Mas
então, a GNR de armas e bagagens para o hotel turismo, e a polícia? Questionava
o senhor Abel que entretanto tinha acabado, de um trago, com o seu bagacito.
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A polícia vai também para o hotel, senhor Abel, pelo menos é o que consta,
completava o senhor Abílio.
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Olhe que o senhor deve ter ouvido mal, retorquia o Silva. É que a última que me
venderam era que o quartel da GNR ia para a escola de S. Miguel e a polícia
para o edifício do antigo ciclo, na Santa Clara!
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Mas que grande confusão vai nesta Guarda, rematava a dona Rosa.
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Sabem o que vos digo, edifícios vazios e a precisarem de serem recuperados há
muitos mas será que haverá dinheiro para isso tudo? Perguntava a dona Etelvina,
senhora dos seus oitenta anos e um pouco surda, enquanto bebia, a espaços, o
seu chá verde.
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Dinheiro não falta. Milhares de euros por dia, dos fundos da Europa,
justificava o senhor Abel.
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Mas olhe que o edifício do antigo Governo Civil e as antigas instalações da
polícia vão ser aprontadas para receberem os secretários e restantes
funcionários da Comunidade Intermunicipal das Beiras, acrescentou ainda o
Abílio.
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O que você sabe, amigo Abílio. O senhor está mais bem informado que certos
jornais cá da terra, disso tenho eu a certeza, rematava o Abel enquanto se
levantava e se dirigia ao balcão para pagar a despesa.
Sim,
por que na cafetaria da dona Cassilda não há almoços grátis e muito menos cafés e
bagaços.