E o frio gélido, seco de outros tempos da Guarda varreu a Câmara, ou melhor, a reunião do executivo camarário. Como disse Miguel Unamuno a Guarda é uma terra onde até as pedras têm frio. Assim aconteceu na reunião de câmara da Guarda onde era suposto ser aprovado o Orçamento para 2024 e bem como as Grandes Opções do Plano. Era previsível a aprovação, mas a sala gelou quando as propostas apresentadas pelos deputados do movimento “Pela Guarda” foram rejeitadas por uma coligação PS e PSD, até àquela altura nunca verificada. Um balde de água gelada caiu sobre o presidente Sérgio Costa e restante vereação do movimento “Pela Guarda”. De nada valeram as tentativas de consensos e os sucessivos pedidos de apresentação de propostas à oposição para que os documentos fossem aprovados. De nada valeram. É que escolher o último dia para aprovar um orçamento e as Grandes Opções do Plano é uma forma capciosa de pressionar a oposição a votar favoravelmente os documentos. Todo e qualquer número de circo foi tentado contorcionismo, malabarismo e ilusionismo, mas sem resultado. A coligação PS e PSD estava irredutível na senda de chumbar todo e qualquer dos documentos. Pura e simplesmente tudo correu mal ao executivo apoiado pelo movimento “Pela Guarda”. A coligação PS e PSD manteve-se firme e não foi em cantigas e nem o apelo feito em sessão solene do dia da cidade pelo presidente Sérgio Costa quando replicando Cavaco Silva dizia “deixem-nos trabalhar”! O recado estava dado, mas não obteve receptividade. O chumbo aconteceu com toda a naturalidade. Lembrar aos mais incautos que o chumbo dos documentos não afetará vencimentos de funcionários e as festas continuarão para gáudio e entretenimento do povo pagante. Aqui chegados volto a lembrar Miguel Unamuno que numa carta dirigida a Teixeira de Pascoaes, afirmava: «Mais vale morrer de ver a verdade que viver num mundo de mentira». E de mentiras e falsas promessas estão os guardenses cansados. É que certos políticos parecem esquecer que o problema da vida humana remete-nos para o problema da personalidade. Persona, em latim, é o acto da tragédia ou da comédia. A personalidade é a obra e é na história que se cumpre. Para Unamuno, as coisas não têm história, só as pessoas a têm. Mas o que faz um homem é o que ele é. É o que acontece com um povo e a sua personalidade colectiva. Para Unamuno o que importa não são os grandes acontecimentos, mas o que nos é revelado pela paisagem física, pela arte, a vida quotidiana do povo alheio às grandes transformações do nosso tempo que nos é revelada a identidade e se vai a forjar a nossa personalidade. Ganhar uma câmara com pouca ou nenhuma capacidade de fazer, intervir ou sequer de impor directrizes por um futuro diferente do anterior é o caminho certo para o descalabro. O movimento “Pela Guarda” ganhou com uma equipa de personagens que aspirava atingir rapidamente o estrelato político. Formou-se e formatou-se no descontentamento da população. Um descontentamento que se iniciou com o abandono de Álvaro Amaro da cadeira presidencial e seguir para paraísos onde se é rei por condição e não por acção. E o desnorte aconteceu. Deixou-se a câmara sem soluções, empobrecida e a cair de podre, com casos múltiplos de ajustes de contas com a justiça. A confusão estava instalada. O sucessor ao trono enredou-se em tramas e lamas da prepotência com laivos de arrogância que potenciavam a que um qualquer movimento subisse à glória dos anjos. Anjo da Guarda, pois claro! E o lema “Pela Guarda” foi uma caixa de pandora, com múltiplas ilusões e com quimeras difíceis de alcançar por gente com pouca ou nenhuma experiência. O poder na altura não percebeu e continua a não perceber que a arrogância, o quero, posso e mando só conduz ao efémero tempo das festas, arraiais e outras festividades. À primeira contrariedade tudo cai como castelo de cartas! Cartas de um jogo viciado, adulterado com múltiplos interesses pessoais. Formar equipas com gente formatada sem ideias e apenas só pela vontade de seguir um chefe é mau de mais e arrasta um povo para a cegueira. As cópias são sempre piores que os originais, mesmo que as imitações, todas elas, sejam esmiuçadas até ao ínfimo pormenor. Aos olhos dos eleitores, os defeitos de certos líderes são vistos como qualidades, a inexperiência deles é a prova de que não pertencem ao círculo corrupto das elites e a sua incompetência é garantia de autenticidade. Já os comportamentos que lhes pontuam a propaganda são a marca da sua liberdade de espírito. Até quando? Só os eleitores sabem.
Tenham uma excelente semana.
(Crónica Rádio F - 4 de Dezembro de 2023)