quarta-feira, janeiro 18, 2023

Ponto de vista

 O Governo liderado por António Costa vem, face à onda de choque que sucessivos casos de corrupção, compadrio e tráfico de influências de membros do governo e autarcas provocaram no cidadão comum, propor um questionário para novos ministros e novos secretários de estado.
Ou seja, mais e mais areia para os olhos dos portugueses.
Bem tentou Costa colar Marcelo à proposta de seriação, fiscalização prévia e investigação da vida dos futuros ministros e secretários de estado. Só que Marcelo rejeitou liminarmente tal proposta pois está mais interessado no populismo das viagens, banhos e fotos do que ser corresponsável por uma tarefa que é exclusiva do primeiro-ministro. Também tentou colar à proposta a Procuradoria Geral da República e o Tribunal Constitucional, mas de todos levou nega.
Afastada essa proposta por manifesta falta de interesse e vontade legal da mesma por parte de Marcelo e de várias instituições, vai daí, Costa anunciou um novo processo - o tal questionário que, segundo palavras do próprio, mereceu a concordância de Marcelo.
O questionário levou uma tarde a ser aprovado em Conselho de Ministros, e é de tal modo grosseiro, imbecil e ordinário que qualquer cidadão no seu pleno juízo sentiria vergonha de ter de se lhe submeter, bem como de ser seu patrono e de ter participado num conselho de ministros que aprovou tais perguntas.
São trinta e seis perguntas de um cretinismo atroz.
Perguntar-se, por exemplo, se o candidato a ministro ou a secretário de estado tem contas offshore é do mais ridículo que se pode imaginar. Como se irá algum dia provar tal facto ou o seu contrário?
Esqueçam a pergunta e todas as outras, um verdadeiro chorrilho de anedotas que já entraram para o anedotário nacional. Tudo isto prova a incompetência e a manhosice de um primeiro-ministro em iludir, mais uma vez, os portugueses. Se o governo estivesse realmente interessado em mudar o modus operandi do poder central e autarquias, tornaria antes obrigatório que todos os contratos publicados no portal BASE tivessem o caderno de encargos associado também publicado.
Do mesmo modo, deveria o governo publicar um conjunto de informação que sistematicamente esconde dos portugueses. Nomeadamente, as bases de dados na área da saúde, os contratos feitos na compra das vacinas e outros casos escondidos dos cidadãos.
Informação que o cidadão mais civicamente comprometido raramente obtém e que, por norma, o governo e os serviços que tutela têm por hábito esconder até que o pedido siga o calvário das sucessivas queixas pela falta de transparência, que tem de se iniciar com a apresentação, pelo cidadão, de uma queixa à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, depois a queixa a uma entidade reguladora, e finalmente, uma queixa num Tribunal Administrativo. Um calvário de recusas que leva a que muitos cidadãos se atasquem no seu propósito e que desistam de querer conhecer saber a verdade dos factos.
É este o problema fundamental da corrupção e de todos as outras doenças do sistema, e esse problema não se combate com questionários idiotas que só servem, mais uma vez, para enganar e criara ilusão de que alguma coisa de concreto está a ser feita.Se o governo quer dar provas de que está mesmo a falar sério, tem que dar o exemplo e ter uma postura perante todas as entidades públicas que atire para o passado a opacidade e o tráfico de influências habituais.
O problema é que o governo não quer fazer isso, não quer fazer aquilo que deveria fazer, mas sim refugiar-se em medidas de cosmética para acalmar a indignação que as escolhas governativas do 1.º ministro vem suscitando.
Este questionário inconsequente vai permitir, talvez, menos escândalos, mas no fundamental a corrupção, o nepotismo, a chico-espertice vai continuar a existir, a coberto da tal dificuldade do cidadão comum em escrutinar sem reservas todos os atos da administração do Estado.
A opacidade nos actos da administração pública e a sensação de impunidade na gestão do bem público e dos dinheiros públicos vai continuar. Enquanto for permitido, por falta desse escrutínio direto, imediato e sem reservas, que governantes e autarcas pensem que podem pôr e dispor dos dinheiros públicos, dos cargos públicos, e dos bens públicos a seu bel-prazer, as coisas nunca irão efectivamente mudar, por mais disparatados questionários que se inventem.
Tudo serve para fingir que algo se faz para que tudo continue na mesma!
Desiludam-se!
As entidades públicas, todas elas, ainda não perceberam, e sobretudo não querem perceber que devem explicações, todas as explicações, aos cidadãos. Esta opacidade nos actos públicos é a porta aberta para o regresso de formas ditatoriais que irão prejudicar seriamente a vida de todos nós, em benefício dos que se governam sem prestar contas à custa da ignorância dos cidadãos que desconhecem os seus direitos. Tenham uma boa semana.