Num programa
televisivo, o actual presidente da câmara Municipal da Guarda, Álvaro Amaro,
defendeu que a fixação de pessoas nos concelhos do interior do País deve
assentar em dois eixos: captação de investimento privado através de mais
benesses aos empresários, por um lado, e utilização dos numerus clausus para
fixação de jovens estudantes e dinamização da economia local, por outro.
Ora, estas “soluções”
de Álvaro Amaro para o problema do nosso despovoamento não passam de fórmulas gastas,
que fracassaram em toda a linha. Basta olhar para o caso de Gouveia, onde Álvaro
Amaro foi presidente durante 12 anos, para percebermos que estamos apenas
perante declarações de circunstância que não conduzem a lado nenhum.
Álvaro Amaro tem a
obrigação de saber que nunca vai obter aquilo que defende. Concorde-se ou não
com a “solução” proposta, o problema é outro. Qualquer benesse oferecida a um
empresário do interior é uma benesse a menos para um empresário do litoral. E
qualquer vaga a mais no ensino superior do interior representa uma vaga a menos
no ensino do litoral. Assim mesmo.
O problema do interior
tem tudo a ver com o peso político relativo, ou antes com a falta dele.
Existindo concelhos do litoral com mais eleitores do que todo o distrito da
Guarda, pode bem dizer-se que estamos tramados.
Tudo isto é agravado
pela crise. Casa onde não há pão… Recordemos que o próprio ministro da educação
reconheceu que dos 159 mil alunos no ensino secundário, apenas 100 mil estavam
em «condições» de se candidatar ao ensino superior, o que reduz, e muito, o pão
na mesa. E desses 100 mil, apenas 41 mil se candidataram efetivamente, ficando
pelo caminho, pelas mais diversas razões, os restantes 59 mil.
Mesmo que por mera
hipótese se desviassem administrativamente os alunos do litoral para o
interior, as condições financeiras da maioria das famílias portuguesas não lhes
permitiria mantê-los por cá.
As causas para tanto
despovoamento e acréscimo de crise no interior são múltiplas. Muitas delas,
podem e devem ser assacadas ao xico-espertismo que infecta o empresário
português, que apenas espera de um Estado fraco, as condições para explorar
mão-de-obra barata, a par de subsídios e de equipamentos adaptados recorrendo ao
dinheiro dos contribuintes.
Agora que o Estado está
à míngua, a coisa agrava-se. Pode até a mão-de-obra escorregar para o preço da
China, o problema é que o tempo dos subsídios e equipamentos de chave na mão já
lá vai.
No meio de tudo isto
Álvaro Amaro parece esquecer-se de que é presidente da Comissão Política
Nacional dos Autarcas Social Democratas e que o seu partido, o PSD, faz parte
do governo de Portugal. E que foi esse partido o grande responsável por hoje
carregarmos a cruz das portagens, mecanismo que tem feito mais pelo cancro que
corrói a estrutura económica e social do interior do que pimenta da Índia em
focinho de cão.
Ironia do destino. No mesmo
dia em que Álvaro Amaro apresentava estas ideias brilhantes, um jornal diário
publicava um estudo sobre a desproporcionada dificuldade no acesso a cuidados
de saúde no nordeste do país. Nessa zona, como também por cá, uma ida ao médico
pode levar metade da paupérrima reforma que os cidadãos recebem. E disso,
Álvaro Amaro não falou. É que isto é que é o verdadeiro despovoamento. E só há
uma maneira de o evitar. Prevenir, abandonando a política de fechar tudo o que
é Estado no interior, em vez de querer dar prebendas a empresários que se
mudarão para Marrocos à primeira oportunidade.
A mim, o que me
espanta, é que Álvaro Amaro anda por cá há tantos anos que deveria saber escolher
aquilo que diz. Gandhi disse um dia que “palavra e ação juntas não andam bem”,
a propósito da ideia de que a natureza trabalha continuamente, mas em silêncio.
É por estas e por outras que, para Álvaro Amaro, certos momentos deveriam ser
mesmo de ouro. Especialmente em frente a uma câmara de televisão.
Tenham um bom dia.
(Crónica na rádio F dia 24 de Março de 2014)