A fortuna de Belmiro de Azevedo cresceu, só durante o último
ano, qualquer coisa como 17%. Em contrapartida os salários e direitos laborais reduziram
significativamente. Segundo um recente estudo, uma em cada 10 famílias portuguesas
vive em pobreza real: não tem forma de pagar a prestação ou a renda de casa, o
empréstimo automóvel, as contas da água e da luz, os tratamentos médicos essenciais
ou os estudos dos filhos.
Ora, foi num cenário destes que Belmiro de Azevedo afirmou que
os salários em Portugal só podem aumentar quando os trabalhadores portugueses
tiverem a mesma produtividade dos alemães ou dos ingleses. A forma e o contexto
em que isto foi dito pretendeu apresentar os trabalhadores portugueses como os
grandes responsáveis por esta “baixa produtividade”.
Claro que Belmiro não disse que grande parte da maior
produtividade das empresas alemãs resulta de uma melhor organização e aposta na
inovação tecnológica, coisa que rareia entre os empresários nacionais. Ou que
na Alemanha a burocracia e a corrupção são muito inferiores à nossa. Ou que a
justiça é muito mais célere a dirimir questões entre empresas. Ou que os custos
de financiamento das empresas, vulgarmente conhecidos como “juros”, são muito
inferiores. Ou que o mercado interno alemão tem uma dimensão muito superior,
permitindo que os empresários disponham de condições e de tempo para melhorarem
e promoverem o bom funcionamento das suas empresas. Ou que os produtos alemães
têm incorporado, em média, um valor acrescentado muito superior ao dos produtos
portugueses.
Assim, os empresários alemães não têm tanta necessidade de
transferir os custos do risco e da mudança para os trabalhadores, descontando-o
no seu salário. Nem de assentar a ideia de competitividade na matriz de
salários baixos, mentalidade negreira que Belmiro herdou alegremente de
Salazar. E é tudo isto que faz verdadeiramente a diferença, como se demonstra
pelos elevados índices de produtividade desses trabalhadores portugueses, quando
trabalham na Alemanha.
É que na Alemanha produzem-se BMW, AUDI, BOSCH ou AEG, o que
não é exatamente o mesmo que vender latas de atum, camisolas de algodão, azeite
ou vinho. De facto, um BMW de 40 mil euros é fabricado num terço ou num quarto
das horas necessárias para produzir 20 mil latas de atum de 2 euros. As horas
de trabalho necessárias para produzir 200 garrafas de vinho de 5 euros ou 400
garrafas de azeite de 2,5 euros são em Portugal o triplo ou o quádruplo das
necessárias para produzir na Alemanha um frigorífico BOSCH de 1000 euros. O que
de certeza absoluta não é verdade é que uma empregada de caixa de supermercado
na Alemanha registe três vezes mais artigos numa hora do que uma colega sua que
em Portugal trabalhe para o Continente de Belmiro. E Belmiro paga-lhe um terço,
menos 1000 euros do que os 1500 euros do salário mínimo aprovado para vigorar
na Alemanha a partir de 2015, o que explica em parte como conseguiu enriquecer
e aumentar a sua fortuna em tempo de crise.
Não é por acaso que na Alemanha têm serviços públicos que os
portugueses nunca tiveram, nem é por acaso que os pais alemães não têm que
gastar um euro com a Educação dos filhos até aos 18 anos, recebendo um abono de
família de valor superior ao nosso salário mínimo por cada um deles. O salário
médio na Alemanha ultrapassa os 3 mil euros e os impostos e as contribuições
para a Segurança Social que incidem sobre essa base salarial chegam e sobram
para pagar tudo.
Nós, em Portugal, temos um sistema político que prefere
engordar e venerar Belmiros que choram atualizações salariais de 1 euro por dia
e que aplaudem de pé qualquer redução do número de dias de descanso no segundo
país que anualmente trabalha mais horas em toda a União Europeia .
Estes Belmiros, que nem sequer pagam impostos sobre os seus lucros em
Portugal, não estão cá para contribuir para a sociedade que os enriquece. Estão
cá só para enriquecer. E para mandar saudações de apoio aos Governos que os
mantêm a salvo de qualquer crise, garantindo-lhes direitos especiais de
enriquecimento, como foi o caso de Jardim Gonçalves, ex-presidente do Banco
Comercial Português, que viu prescreverem as várias condenações decretadas pelo
Banco de Portugal. Ou muitos outros casos, de escandaloso privilégio, de que eu
poderia aqui dar testemunho.
Belmiro de Azevedo, a terceira maior fortuna de Portugal,
disse o que disse porque que acha que essa é a melhor forma de agradecer os
tempos de bonança que o Governo lhe tem concedido. Conseguiu assim descer ao
nível de um qualquer empresário de vão de escada, que todos os anos remete ao
abade da paróquia uma quantia para a festa da senhora do Coito.
Ou, bem vistas as coisas, se calhar mostrou apenas o nível
que sempre teve. É que, da mesma forma que uma licenciatura não dá, só por si,
uma refinada educação, o dinheiro não dá nível. Sobretudo num país em que os
trabalhadores não têm trabalho, a classe média deixou de ser média e a classe
alta deixou de ter classe.
Tenham um bom dia e já agora uma boa semana a salvo de
merceeiros trapaceiros.
(Crónica na rádio F - 10 de Março de 2014)