O país assistiu, este fim-de-semana,
à maior operação de propaganda política dos últimos anos. Chamaram-lhe
congresso do PSD, mas a mim pareceu-me mais uma rave party misturada com FantasPorto.
Para o PSD, Portugal
está bem, só os portugueses é que não. O problema é que esta dissociação
patológica nos coloca a todos em rota de colisão com uma realidade que só
existe na cabeça de quem nos governa.
O PSD conseguiu, à
custa de um mar de banalidades e muita alucinogénese, fugir ao assunto das
medidas que estão para vir. Não se assistiu a um debate de ideias novas ou
salvadoras, até porque não as há. Assistiu-se, isso sim, e sobretudo, à
sublimação, ainda que por vezes indireta, dos fantasmas que povoam a
consciência de quem se quer manter no poder a qualquer custo. E um deles, que
dá pelo nome de Miguel Relvas, até foi ressuscitado, pese embora um certo sabor
a vomitado que isso provocou em muito boa gente.
A realidade não é,
infelizmente, a deste circo. Um estudo recente realizado pela Eurosondagem
revelou que 62% dos portugueses acredita que a austeridade está a "afundar
o país económica e socialmente". 64% antecipam que essa austeridade
"vai continuar por uns anos". O mais grave é que 49% são da opinião
que não existem "propostas políticas credíveis" que possam indicar um
caminho alternativo. Afundar, empobrecer, ver o país a autodestruir-se, será,
portanto, a opção mais credível aos olhos da grande maioria da população, na
qual as poucas centenas de militantes do PSD que participaram no congresso
pesam pouco mais do que zero.
Quer isto dizer que o discurso
oficial da inevitabilidade está a vencer a batalha das perceções. A esquerda
não está a conseguir articular um projeto alternativo e convincente. E é cada
vez mais improvável que o faça. Por mais que a ideia desagrade, a política é
cada vez mais um enorme espectáculo direccionado para uma plateia pouco
politizada e com um enorme défice de atenção. E contra factos nem os melhores argumentos.
Chegámos ao ponto em
que um primeiro-ministro de Portugal não se coíbe de dizer, taxativamente, que
os portugueses são tratados à paulada. E ameaça logo de seguida, dizendo que se
a primeira paulada é forte, as outras serão bem piores. A paulada é de tal
ordem que Portugal é hoje o país europeu onde mais riqueza está nas mãos dos
10% mais ricos. Muito à custa de os custos unitários do trabalho terem caído, entre
o primeiro trimestre de 2010 e o terceiro trimestre de 2013, 5%. O trabalho ficou
mais barato, mas não foi o país quem lucrou, foi um bando de ricos.
Nessa linha, o Governo
prepara-se para tornar definitivos, ainda este ano, os cortes salariais na
Administração Pública que anteriormente vendeu como temporários. O efeito de
arrastamento sobre os salários do sector privado verifica-se sempre logo a
seguir. Isto vai ao encontro da Comissão Europeia, que defende um queda
adicional de outros 5% nos salários, umas vezes, e uma desvalorização dos
salários ao ritmo atual durante pelo menos 10 anos, outras. Venha o diabo e
escolha!
Somem-se a isto os cortes
nas pensões de sobrevivência que estão a ser preparados para depois das
eleições europeias, o desemprego real que não cessa de aumentar e a emigração
forçada que bate recordes sucessivos. E muitas outras coisas que aqui não tenho
tempo de enumerar.
O facto de ninguém tocar
a sério nas rendas dos sectores energético e das infraestruturas de transportes
[leia-se auto-estradas]” torna tudo pior. É a prova de que afinal há quem seja totalmente
imune a pauladas. Assiste-se mesmo a uma reconfiguração social que origina
rendas através da privatização de serviços públicos, mesmo os que dão lucro. É
caso para se dizer que quem devia levar as pauladas é afinal quem as dá.
Isto, e muito mais, não
foi discutido no congresso do PSD. Mas devia. Porque a fé, quando levada ao
exagero, como foi o caso, troca sempre o alívio imediato por um maior mal no
futuro. E isso não é política, é fanatismo!
Tenham um muito bom
dia. E já agora uma semana sem pauladas.
(Crónica na rádio F no dia 24 de Fevereiro de 2014)