Como é hábito, a comunicação social atirou-se, nas últimas
semanas, ao tema que convém, ou seja, àquele que dá mais audiências. Passou-se
do 8 ao 80. Agora só se fala de praxe. Sem se ir à raiz do problema.
Os mais incautos poderiam pensar que a universidade está
intrinsecamente ligada a um conjunto de valores que os séculos sedimentaram
para lá de qualquer hesitação: a produção da ciência, a cultura do
conhecimento, o criticismo, a dúvida metódica, o convívio com os clássicos, a
aquisição da memória histórica e cultural, a invenção de conceitos e teorias e o
contacto com estratégias de leitura ou de interpretação desconstrutiva de
preconceitos, de lugares-comuns, de ideologias e de valores dominantes. Em
suma, todo o contrário de uma cultura da repetição servil, da obediência
cabisbaixa, da acefalia.
Ora, o que constatamos na atitude de boa parte dos universitários
– e aqui tanto faz que sejam públicos ou privados – é uma desatenção e uma
indiferença descontraída em relação a todos os valores que acabei de enumerar. O
que transportam e preservam ao longo de todo o seu percurso académico, são sobretudo
uma ludicidade e superficialidade permanentes, mais ou menos infantis ou
adolescentes, que a tudo resistem e que se mantêm blindadas à mais leve insinuação
de seriedade, de densidade ou de profundidade, mesmo depois da universidade.
É para muitos alunos a extensão do que se passa no ensino
básico e secundário. Nada que os agentes educativos desses graus de ensino não
tenham verificado e denunciado há muito tempo, no meio de toda a desautorização
de que foram e, continuam a ser vítimas.
Neste contexto torna-se difícil aos nossos universitários perceberem
a diferença entre ritual medieval e integração em sociedade. Para eles o lúdico
associa-se a um fenómeno que, entre nós, se acentuou nas últimas décadas, e que
é o consumismo juvenil mais ou menos desbragado, que os adultos rendidos à
infantilização dominante têm alimentado conforme podem. Este hedonismo doentio
é altamente despolitizado e explica que alguns estudantes universitários pretendam
continuar a viver num eterno jardim infantil. Por isso não espanta a completa
ausência de postura crítica, por parte desses jovens, face à austeridade
vigente. A malta quer é praxes, sexo e bebedeiras, e, sobretudo, pensar muito
pouco ou nada, pois os trabalhos finais das cadeiras, que se resolvem com umas
consultas wikipédicas e uns plágios cibernáuticos, expatriam o ato de ler para
o universo de uma intensa repressão.
Hoje é o tempo dos turbo-diplomados, estilo Relvas ou
Sócrates, e de certas “jotas” que, defendendo que qualquer direito é
referendável, apostam na “liberdade” de não haver “ensino obrigatório” ou
consideram que a Constituição da República e a Declaração Universal dos
Direitos Humanos são extravagâncias que se opõem à liberdade austera reclamada pelos
“mercados.
Outro aspecto que nenhuma narrativa tem focado, tem a ver com
o comércio subjacente às praxes. Tudo é transaccionado nessa balburdia medieval
em que se convertem os ditos rituais, desde a quotização nas respetivas
associações, aos artistas de variedades de duvidosa qualidade, passando pelo fogo-de-artifício
e pelos trajes e outros ornamentos para sacar euros aos novatos. E, claro, pelas
negociatas com as cervejeiras.
O resultado final é um bando de conformistas, ineptos e
acríticos culturais e sociais. Como diria o famosíssimo Barão de Itararé, “em
todas as famílias há sempre um imbecil. É horrível, portanto, a situação do
filho único”. Sobretudo se for estudante e gostar de praxes, acrescentaria eu.
Tenham um bom dia e já agora com a semana que for possível.
(Crónica na rádio F - dia 3 de Fevereiro de 2014)