A recente proposta do presidente da autarquia da Covilhã, para a criação de um hospital central, naquela cidade, trouxe-me à lembrança os meus tempos de infância. O palhaço era aquele mágico que conseguia fazer rir e chorar ao mesmo tempo.
Ainda se lembram da criação da faculdade de medicina da Beira Interior? E de que a principal condição nessa altura colocada pela Guarda e por Castelo Branco para a sua viabilização foi a de jamais a Covilhã se arrogar o direito de um dia lhe chamar sua? Pretendia-se assim evitar o “efeito de buraco negro”, ou seja, que a pretexto de se ter na Covilhã uma estrutura física que só funciona devido a competências existentes noutras cidades, se reivindicasse um dia o direito à posse dessas competências.
Pois bem.
A Covilhã fala agora à boca cheia da “sua” faculdade de medicina! E fá-lo porque tem sido tratada como aqueles príncipes que nasceram em berço de ouro. A Guarda, pelo contrário, foi sempre o filho ilegítimo do poder de Lisboa. O facto de a classe política local, no poder, se ter sempre comportado, aquando da divisão de recursos pelas duas cidades, como aquele coxo que se atira pelas escadas abaixo na esperança de conseguir partir a outra perna, não é sinónimo de qualquer mérito da Covilhã mas tão só da má sina que nos atormenta há anos, por mor de um castigo qualquer.
Um hospital central na Covilhã é tão útil à Guarda como uma epidemia de peste bubónica. Entalados entre Viseu e a ambição desmedida de Carlos Pinto, assistiríamos em pouco tempo a uma espécie de guerra civil entre os agónicos hospitais de Seia e da Guarda, só para determinar quem ficava com as migalhas dos cuidados continuados, paliativos, de retaguarda, e outros que tais. Uma coisa triste de se ver.
Alguém imagina um hospital central sem maternidade? A proposta de Carlos Pinto destina-se, de facto, a contornar a já célebre e persistente luta dos médicos da Guarda e a liquidar, de uma vez por todas, a nossa maternidade. Atrás da maternidade irá a pediatria. E atrás da pediatria, naturalmente, vai o resto. Alguém duvida?
Pode até a Covilhã prometer que não, que o “seu” hospital central não pretende prejudicar a Guarda. Isso vale tanto como a promessa, nuca cumprida, de nunca chamar faculdade de medicina “da Covilhã” à faculdade que é de todos. Ou vale o mesmo que o péssimo hábito de Carlos Pinto invocar sistematicamente a faculdade de medicina “da Covilhã” para justificar nos hospitais vizinhos o fim de valências que todos sabemos não poderem, a prazo, coexistir nas 3 cidades. É fixe, o argumento de que temos de ter tudo porque “já” temos uma faculdade de medicina. Sobretudo quando não se reconhece que Castelo Branco e a Guarda pesam mais nessa faculdade do que a Covilhã…
A megalomania de Carlos Pinto é compreensível. Ele é como as crianças. De facto, até hoje foram-lhe dando tudo o que pediu. E se os papás dão, porque não pedir mais? Aliás, Carlos Pinto e os seus «oportunos» acólitos, que o incensam sempre que o senhor vem com as momices do costume, já nos habituaram aos constantes peditórios ao poder central para tudo e coisa nenhuma. Quem não se lembra do famoso projecto do aeroporto? Quem não se lembra do célebre «caso» da empresa fictícia de construção de aviões? E o caso dos sobreiros? E os apoios sociais que uma câmara que se diz tão preocupada com os cidadãos fez acabarem? Quem vai atrás das tramóias de um Carlos, que também é Pinto, nada percebe de desenvolvimento regional integrado, num espaço que se quer e deseja entre beiras e inter-beiras. Talvez uma lembrança destes e doutros casos, como o da maternidade na Covilhã terminasse com os privilégios do primogénito. Passaríamos a reger as nossas relações por critérios de verdadeiro mérito e de igualdade na justa repartição dos recursos, algo a que a Covilhã não está nada habituada.
E, já agora, desafio os leitores a apontarem um único benefício ou investimento efectuado na Guarda à sombra da faculdade de medicina, que afinal também é nossa. Em contrapartida olhem para a Covilhã. E agora ainda querem por lá um hospital central?!
Alguém disse um dia que se há homens cujo ridículo nunca se tornou evidente, foi porque não procurámos bem. Infelizmente não será o caso de Carlos Pinto…
(Artigo publicado no jornal "Terras da Beira")