Na minha memória de infância, dos tempos da ditadura do Estado Novo, recordo o 10 de Junho como uma liberdade, de condicionantes.
O da liberdade de estarmos no fim das aulas.
Três meses de férias aguardavam-nos.
O sabermos que o espaço, o tempo e o modo pertenciam-nos por inteiro.
O fim das aulas!!!
O «cheira» a férias soava-nos a falsa liberdade. À liberdade possível.
Sabia-se que na quarta classe, ainda era assim que se dizia, tínhamos uns exames e uma admissão ao liceu.
Sabia-se que no 2.º ano havia, para quem não tivesse estudado, um exame!!!
Sabia-se que no quinto ano era um novo exame, também para quem não tinha dispensado!!!
Finalmente, no sétimo e, já feita a «escolha», havia uma saída para a faculdade.
O fim do designado liceu!!!
Era assim, com maior ou menor esforço, com maior ou menor liberdade e liberdades.
Depois vinham as férias que, na altura chamavam-se grandes!!!
Grandes, como o tempo e o Sol!!
Depois, sabia-se que, lá para Setembro voltaríamos a encontrarmo-nos, invariavelmente, nas mesmas turmas e nos mesmos horários.
Mas, se o 10 de Junho marcava o começo das férias grandes, também aquela data nos marcava pela patética parada militar, irremediavelmente transmitida pelo único canal de televisão que existia, a ocupar um largo tempo de emissão. Logo pela manhã e, anunciada com pompa e circunstância lá decorria a parada debaixo de um sol tórrido com as patéticas frases do costume e, com os familiares, pais, filhos menores e outros soldados estropiados a receberem uma medalha das mãos de um almirante vestido de branco, caquéctico que distribuía beijos e abraços, como quem dá tremoços na feira.
Já naquela altura me fazia confusão a cena macabra da distribuição de medalhas.
Estúpida e nojenta.
Ontem, como hoje a repulsa por tais oferendas patéticas da grã-cruz da espada e o raio que os parta.
Ontem, como hoje põe-se a medalha a brilhar.
Se olharmos para os nomeados de ontem, como os de hoje, a podre comemoração nada nos dignifica.
E, ontem como hoje, associar a tudo isto o nome de Camões é no mínimo renegar a nossa história de valores e lembrar que também houve escravos e que se ganhou muito dinheiro com o tráfico deles. Chamam-lhe expandir a fé católica apostólica romana. Idiotices.
Hoje, lá estarão artistas do espectáculo e das variedades de um teatro de vida que em nada tem a ver com a de um povo adormecido e esgazeado.
Quando era jovem, logo que começava a patética cerimónia, corria para a rua, jogar à bola com os amigos.
Ontem, como hoje, em mim nada mudou. Nos outros, os das medalhas, mudaram os motivos e principalmente os desejos de quem recebe e de quem dá!!!
Pobre povo que se presta a tamanhas idiotices!!!