sábado, agosto 23, 2014

Tertúlias de bairro


O café do meu bairro tem por esta altura do ano, muita freguesia. Ainda bem para a dona Cassilda que, desta forma, sempre vai ganhando algum.
Mesas livres, à hora do almoço, é coisa rara. São em especial os emigrantes que invadem o café da Cassy, que é como os residentes do bairro a tratam.
Lá falam uma língua estranha, nem francês, nem alemão e português, mesmo com acordo, é que não é, disso vos garanto.
Um dia destes, o senhor Reis e a esposa lá conseguiram arranjar uma mesa a muito custo. Com mais uma cadeira e outra, lá se foram sentando os habituais de todos os dias do ano, do café da «uma», na cafetaria do bairro.
O tema da conversa foram as obras da nova rotunda do bairro dos «bentos», agora com novo nome, bairro da Luz. Obras que ora determinam que o trânsito se processe no sentido ascendente ou, no dia seguinte, já temos o trânsito no sentido descendente. A confusão é generalizada. Isto para não falar no abate das árvores centenárias. Crime público é consenso geral.
Mas, o senhor Abílio, homem reformado da função pública e, dado a passear pela cidade, frequentador de outros cafés, farmácias e barbearias trouxe algumas novidades que fizeram furor. Soube o senhor Abílio numa dessas suas tertúlias de estabelecimento do centro da cidade, que o quartel da Guarda Nacional Republicana vai ser instalado no Hotel Turismo.
- O quê? gritou o senhor Costa quase atirando com a chávena de café para cima da dona Etelvina, acabadinha de chegar da cabeleireira.
- Mas e a escola de hotelaria? Perguntou a dona Carmo.
- Depois da venda mais que fictícia ao Sócrates ou ao Turismo de Portugal, só faltava agora meterem cavalos e éguas no hotel, que já foi de turismo.
- Só nesta cidade, rematou o senhor Silva, enquanto mexia no bigode, acrescentando – tudo se pode esperar numa cidade em que o frontispício do antigo liceu da Guarda foi parar a porta do cemitério! De facto esta cidade merecia mais, rematava o senhor Silva enquanto continuava a alisar o bigode.
- É como vos digo, quartel da GNR no hotel turismo, insistia o Abílio.
- Piscina para darem banho aos cavalos e éguas não falta e nada melhor para a cidade do que existir uma estrabaria mesmo em frente à câmara municipal, comentava a dona Rosa, enquanto a cadela ladrava a um petiz que comia um gelado.
- Não morde menino, acalmava a dona Rosa o petiz já aflito com o ladrar da cadela!
Mas então, a GNR de armas e bagagens para o hotel turismo, e a polícia? Questionava o senhor Abel que entretanto tinha acabado, de um trago, com o seu bagacito.
- A polícia vai também para o hotel, senhor Abel, pelo menos é o que consta, completava o senhor Abílio.
- Olhe que o senhor deve ter ouvido mal, retorquia o Silva. É que a última que me venderam era que o quartel da GNR ia para a escola de S. Miguel e a polícia para o edifício do antigo ciclo, na Santa Clara!
- Mas que grande confusão vai nesta Guarda, rematava a dona Rosa.
- Sabem o que vos digo, edifícios vazios e a precisarem de serem recuperados há muitos mas será que haverá dinheiro para isso tudo? Perguntava a dona Etelvina, senhora dos seus oitenta anos e um pouco surda, enquanto bebia, a espaços, o seu chá verde.
- Dinheiro não falta. Milhares de euros por dia, dos fundos da Europa, justificava o senhor Abel.
- Mas olhe que o edifício do antigo Governo Civil e as antigas instalações da polícia vão ser aprontadas para receberem os secretários e restantes funcionários da Comunidade Intermunicipal das Beiras, acrescentou ainda o Abílio.
- O que você sabe, amigo Abílio. O senhor está mais bem informado que certos jornais cá da terra, disso tenho eu a certeza, rematava o Abel enquanto se levantava e se dirigia ao balcão para pagar a despesa.

Sim, por que na cafetaria da dona Cassilda não há almoços grátis e muito menos cafés e bagaços.