Esta
semana foi finalmente revelado o nome do feliz contemplado com o cargo de
presidente da Caixa Geral de Depósitos. Ficou também a saber-se que António Domingues
colocou como uma das condições para sair do BPI e ir para o banco do
Estado a retirada da CGD do guarda-chuva do gestor público, estatuto esse que
colocava limites a aumentos salariais. O Governo aceitou. A partir daí escancararam-se
as portas para António Domingues receber apenas o dobro daquilo que auferia o
seu antecessor.
O
primeiro-ministro admitiu que o nível dos salários da nova administração da
Caixa Geral de Depósitos pode ser "muito impopular", mas defende que
só assim é possível o banco público ter uma gestão "capaz, competente e
profissional". Ora, este argumento do primeiro-ministro é tudo menos
rigoroso. Basta perguntar-lhe quantos gestores super-bem pagos deste nosso país
arruinaram bancos ou grandes empresas, como por exemplo a PT.
O
primeiro-ministro também não explicou a um país imerso em dificuldades e
sacrifícios como é que o novo administrador da CGD pode acumular o seu
prometido galáctico ordenado com uma milionária reforma antecipada concedida
por Fernando Ulrich, o tal do «ai aguenta, aguenta».
Mas
não se julgue que este caso é único. Muito pelo contrário. Nem que as coisas
tenham de funcionar pela ordem inversa, a imoralidade foi feita para estar lá
sempre. O presidente do Santander Totta, que é apenas o mais bem pago de todos
os presidentes dos bancos portugueses, acumula o vencimento da instituição com
uma reforma paga pela CGD.
Pouco
me impressiona que Catarina Martins tenha vindo dizer que para o Bloco o
salário de António Domingues “não é um assunto encerrado” e que o Governo tem a
sua “total oposição” neste dossiê. A mim o que me interessa é que o Bloco teve
a faca e o queijo na mão para impedir estes salários obscenos e, se necessário,
esta nomeação, mas as coisas aconteceram na mesma. Talvez lhe devamos chamar
hipocrisia.
Menos
me impressiona ainda que o Presidente da República tenha afirmado, no texto em
que promulga o decreto-lei, que só aceitava esta situação porque era a única forma
de António Domingues ser nomeado, com um recado de permeio ao Governo sobre o
cuidado a ter com a fixação do bendito salário, mas que no fim tenha tudo
ficado igualmente na mesma.
Se
o Presidente não concordava com um salário destes, poderia muito bem ter vetado
o documento e por essa via forçado o Governo a repensar o assunto. Só há uma
conclusão a tirar: aparte os estados de alma para enganar português crédulo,
para Marcelo também os fins justificam os meios. Tal como para o Governo,
o Bloco e para todos aqueles que se limitam a fazer o patético papel do
“agarrem-me que se não eu bato-lhe”.
Para
além da revolta que esta situação me causa, para além do crónico e hipócrita
argumento de que temos de pagar fortunas para contratar os melhores, para além
da realidade que nos ensinou que os melhores de hoje são geralmente os nossos
coveiros do amanhã, para além de tudo isto, há ainda coisas que indignam mais.
Sabe-se
por exemplo que António Domingues ainda era vice-presidente do BPI e já tinha
acesso aos dados da Caixa; que ainda antes de vir para a Caixa contratou uma
consultora para trabalhar num plano de recapitalização do banco público; que fez
convites sem saber (ou sem prevenir os convidados) que a lei impedia
acumulações de funções; que afirmou não ir fazer a auditoria aprovada em
Conselho de Ministros em Junho; ou que se recusa a passar-nos cartão sobre aonde
é que vai parar tanto dinheiro metido nesta recapitalização;
Com
tantos defeitos de caráter e entradas com o pé errado, não compreendo mesmo o
vencimento astronómico deste tipo. A não ser que para se ser bom gestor se
tenha de ser desprovido de qualquer tipo de qualidade. O que não deixa de ser
bizarro. Ou, olhando-se um pouco para trás e para tudo aquilo que nos trouxe ao
buraco onde estamos, talvez nem seja preciso tanto.
Tenham
um bom dia!
(Crónica
na Rádio F – 24 de Abril de 2016)