José Vítor Malheiros
Foi
há uns vinte anos que o conceito de “responsabilidade social das empresas”
começou a aparecer no discurso público e no menu de serviços das empresas de
consultoria.
O
conceito tem muitas definições, mas as empresas que dizem assumir a sua
“responsabilidade social” querem dizer, basicamente, que tentam relacionar-se
de uma forma responsável com o ambiente e investem uma parte dos seus lucros em
acções de mecenato e filantropia.
Não
simpatizo com o conceito. Não porque ache que as empresas devam ter uma atitude
irresponsável perante a natureza, a sociedade ou a cultura mas, precisamente
pelo contrário, porque acho que a assunção dessa responsabilidade deve ser algo
nuclear na actividade de todas as organizações e não um adereço de uso
optativo, usado para fins de propaganda por uns e ignorado por outros.
As
empresas cumprem o seu papel social e assumem a sua responsabilidade social
quando cumprem as leis, quando pagam os seus impostos sem usar subterfúgios,
quando criam emprego e promovem a formação profissional, quando tratam e
remuneram com decência os seus trabalhadores, quando apostam no desenvolvimento
sustentável, quando tentam oferecer aos seus clientes os melhores produtos e serviços,
quando assumem responsabilidade pelos seus erros e os corrigem, quando apostam
na investigação e desenvolvimento. É muito, mas é o mínimo. E é o mínimo mas
não é preciso fazer mais. Não é exigível que uma empresa distribua refeições a
sem-abrigo. Se quiser fazê-lo ou dar condições aos seus trabalhadores para que
eles o façam, isso é bom, mas a sua “responsabilidade social” não exige isso. O
que ela exige é o resto. Se, além disso quiser fazer mais, que faça, mas só
depois de cumprir o programa básico.
O
conceito tem outros problemas. Ele serve com frequência apenas para tentar
esverdear a imagem de empresas poluidoras ou branquear práticas fiscais
imorais. Por trás da “responsabilidade social das empresas” esconde-se ainda o
pensamento segundo o qual a assistência aos pobres, a protecção do ambiente ou
o financiamento da cultura podem ser assumidos com vantagem pelo sector privado
e, portanto, o Estado pode desvincular-se deles. Ou a ideia de que as empresas
podem compensar de moto-próprio as comunidades a que pertencem pelo abuso de
recursos naturais e destruição do ambiente em vez de serem obrigadas a agir de
forma responsável graças à regulação e à política fiscal e sancionadas quando
não o fazem.
Claro
que me parece que faz sentido que uma empresa de electricidade transforme em
museu uma antiga central, como faz sentido que um banco exponha ao público as
obras de arte em que investiu em vez de as ter guardadas no cofre. Mas essas
acções não podem substituir aquilo que deve ser a responsabilidade central da
empresa. Uma empresa como a EDP, por exemplo, deve, acima de tudo, produzir
electricidade barata de forma sustentável, sendo campeã da aposta nas energias
renováveis e da mobilidade eléctrica. É simples.
É
por isso que é tão lamentável que a EDP, conhecida pela prática reiterada de
preços escandalosos, pelo recebimento indevido de rendas do Estado e pela
suspeita de práticas de concorrência ilegais, apresente o seu luxuoso Museu de
Arte, Arquitectura e Tecnologia (MAAT) como compensação bastante de todas essas
tropelias, em nome da sua “responsabilidade social”, e que isso mesmo seja
engolido com isco e anzol pela comunicação social e pelo Presidente da
República.