A semana do Natal de 2015 vai ficar para a
História, indubitavelmente, como mais uma página negra do nosso
descontentamento. Dois acontecimentos, aparentemente desligados entre si, chocaram
o país.
O
primeiro deles foi a falência do Banif, seguida de uma venda por “tuta-e-meia”.
Se o facto de este não ser o primeiro, nem provavelmente o último banco que os
portugueses da classe média vão ter na sua fatura de contribuintes, já seria,
só por si, matéria para revolta, a participação não inocente de um órgão de
comunicação social em todo o processo só consegue suscitar-me repulsa.
Claro
que não sou daqueles que afirmam que foi a notícia da TVI, a tal que anunciava
a iminente falência do Banif e que desencadeou uma corrida aos depósitos, a
causa do problema. Mas foi pelo menos a que retirou qualquer esperança de outro
tipo de solução e teve a consequência de nos custar diretamente, a nós,
contribuintes, mais umas centenas de milhões de euros desnecessários. Senão
vejamos.
A
TVI é detida pela Prisa, sociedade que por sua vez é detida pelo Santander. Na
sequência da notícia da TVI a corrida aos depósitos esvaziou o banco em mais de
900 milhões de euros. Por essa razão o governo acabou por ter de anunciar a
venda urgente do banco, fazendo cair drasticamente o seu preço de mercado. Curiosamente,
foi mesmo às mãos dos nuestros hermanos do Santander que o banco caiu sem apelo
nem agravo. Por 150 milhões de euros e um conjunto de blindadas garantias e de
recapitalizações que pesarão mais de 3 mil milhões de euros nos nossos bolsos.
Tão seguros estavam da sua vitória os espanhóis que ainda a Assembleia da
República não tinha aprovado o necessário orçamento retificativo e já se
procedia à substituição dos placards e logotipos do banco…
Como
disse, não foi a TVI que mandou abaixo um banco que já estava mal. De facto, quando
um banco é sólido, não há televisão que o derrube. Mas não acreditem em
coincidências. Foi a TVI que ajudou a baixar de forma galáctica o preço que os
seus patrões tiveram de pagar, isto é, fez subir de forma galáctica o preço que
eu e os caros ouvintes vamos pagar no futuro.
O
segundo acontecimento consistiu na morte de um jovem de 29 anos num hospital de
Lisboa, por falta de assistência médica durante o fim-de-semana. Para quem
tivesse dúvidas de que a denominada austeridade mata tanto ou mais do que as
bombas, este é um caso exemplar e doloroso da forma como a realidade mais tarde
ou mais cedo esmaga a propaganda.
Ficámos
também a saber, na esteira deste caso, que recentemente uma meia dúzia de
outros doentes terá falecido em idênticas circunstâncias. De outros hospitais
do país ou de outras patologias que também matam e que porventura não merecem
equipas médicas ao fim-de-semana, ninguém falou. Porque se calhar é melhor
assim. Até porque, se as coisas se passam deste modo em Lisboa, a capital do
país, uma zona equiparada aos mais altos níveis de desenvolvimento humano da
União Europeia, imagine-se qual não será a real situação em zonas do país como
o nosso Interior…
O
mais preocupante é que estes dois casos têm tudo a ver um com o outro. De
facto, eles representam a consequência de uma forma muito peculiar de olhar
para o mundo. São ambos filhos de uma política que privilegia o individual e o
particular e que despreza profundamente, ou odeia mesmo, tudo aquilo que tiver
um vislumbre de coletivo e de não liberal. E como tudo o que envolva interesse
público é sempre coletivo, o ódio a qualquer solução que dignifique o interesse
de todos nós é tão garantido como o sol que nasce pela manhã.
Se
não fosse a TVI a ter encontrado o caminho para estoirar com o banco antes do
tempo, onerando os portugueses com custos de que precisavam tanto como um
muçulmano precisa de carne de porco, teria sido de outra maneira qualquer. Mas
da forma normal, através de uma solução que permitisse recuperar paulatinamente
o banco e a sua posterior integração na esfera pública, isso é que não! Nunca!
No
caso do jovem que morreu, o raciocínio é o mesmo. Para que não falte dinheiro
para salvar bancos onde os ricos e corruptos deste país se têm empanturrado nos
últimos anos, corta-se na Saúde, na Educação e em tudo o que seja associável ao
que é público e coletivo. As consequências, essas, virão mais tarde, mas não se
espera que recaiam sobre os jagunços deste sistema, a saber, sobre o ministro
da Saúde e o presidente da ARS de Lisboa, os tais que não se demitiram quando
constataram que não havia verba suficiente para constituir as tão necessárias
equipas médicas.
Quer
no Banif, quer no caso deste jovem que podia ser qualquer um de nós, a culpa
vai – como todos já percebemos – morrer solteira. De uma forma ou de outra será
o homem da rua o único que pagará. Mas pagará mais de 3 mil milhões no caso do
Banif, já que a vida do jovem já nada nem ninguém a pode pagar.
Era
bom que as pessoas compreendessem que aos poucos, como dizia aquele vendedor da
banha da cobra, à custa do equivalente a “suaves prestações”, a nossa sociedade
está a descambar para uma nova forma de fascismo. Um fascismo em que o nosso Tarrafal
agora é nos hospitais, nos bancos, nos empregos, nas escolas e, por aí fora.
Claro
que haverá ouvintes que me acharão um exagerado. Alguns até me chamarão
radical. O medo deles é que eu tenha razão. E como eu os percebo. Tenham um bom
2016 pelo menos com saúde.
Crónica na Rádio F - 28 de Dezembro 2015.