quinta-feira, dezembro 03, 2015

Ponto de vista


O Hospital Sousa Martins, o nosso hospital, volta de novo a ser notícia. E mais uma vez pelas piores razões. O conselho de administração ainda em funções, numa atitude que suscita as maiores reservas, voltou a reenviar para o Tribunal de Contas o processo da empreitada do novo edifício do hospital. Tanto quanto sabemos, o novo processo foi preparado com o apoio da própria ARS do Centro, a mesma entidade que, na senda da inauguração desse pavilhão, ainda há dias culpava o corpo clínico do hospital da Guarda pelos atrasos no entendimento para a constituição de uma unidade de saúde da Beira Interior, com inclusão da Covilhã e de Castelo Branco.

Do processo agora reenviado ao Tribunal de Contas constarão acordos relativos a «trabalhos a mais e trabalhos a menos», acordos relativos a erros e omissões de arquitectura e acordos relativos à reposição do equilíbrio financeiro da obra.

Segundo a administração da ULS, com estes documentos procura dar-se aos juízes do Tribunal de Contas os elementos que possibilitarão a emissão do respetivo visto. Mas afinal o que pretende verdadeiramente uma administração condenada a fazer as malas e a debandar pela porta pequena?

Convém recordar que já não é a primeira vez que uma administração da ULS se envolve em polêmicas relacionadas com as obras do novo pavilhão do hospital. Não foi por acaso que ano passado o Inspecção-Geral das Actividades em Saúde iniciou uma investigação à empreitada dessas mesmas obras. O caso levou a que o então inspector-geral da saúde afirmasse que teriam sido identificadas novas áreas de risco em termos de fraudes, envolvendo nomeadamente obras e equipamentos não utilizados.

Ainda o ano passado, durante uma visita ao hospital da Guarda, até o então ministro da Saúde, Paulo Macedo, estranhou de forma espontânea alguns problemas relacionados com as portas corta-fogo – essenciais para as autorizações da Autoridade Nacional de Proteção Civil, tal a forma como o nível de incumprimento ou de imperfeição do projeto é acessível ao leigo.

Mas, se tudo isto são questões de pormenor que evidentemente deveriam ter sido acauteladas no projecto inicial e na fiscalização que se lhe seguiu em fase de obra, pior, bem pior, estará o assunto do pedido de indemnização do consórcio Hager/Edifer, o qual reclama do Estado cerca de 8 milhões de euros relativos à suspensão e juros da primeira fase de requalificação da unidade, assim como dos custos acrescidos que as empresas alegam ter tido por culpa das decisões da administração da ULS desde o tempo em que foi liderada por Ana Manso. Quero ver o que acontece se a Hager/Edifer ganha o processo… Por sua vez a ULS contra-ataca e reclama incumprimentos do contrato…

Ora, é neste jogo do gato e do rato que se vai saber afinal qual a opinião do Tribunal de Contas. Entretanto fica cada vez mais a ideia de que o reenvio do processo a essa instituição se destina apenas ou sobretudo a comprar tempo. Tempo! Aquilo de que a administração que tem o patrocínio de Álvaro Amaro necessita para empurrar este e outros graves problemas para a próxima administração, a nomear pelo novo governo do PS.

De facto, existem rumores de que a ULS estará embrulhada noutros problemas muito sérios relacionados com condenações judiciais no valor de muitas centenas de milhar de euros, que nenhuma das administrações do tempo do PSD conseguiu resolver, como se impunha, em tempo oportuno.

Assim, para Álvaro Amaro, patrono da atual administração, e para a sua estratégia de conquista de mais um mandato à frente da autarquia, é vital que as broncas que estão para rebentar envolvendo a ULS, estoirem no campo do adversário e não no seu. E para isso a lentidão do Tribunal de Contas é um aliado mais confiável do que um cão para o pastor.

Convém não esquecer que estamos a falar de gente para quem a palavra “escrúpulos” não tem o mesmo significado que para os eleitores. A ULS volta assim a ser, mais uma vez, a arma de arremesso mais à mão. É caso para perguntar, “onde é que eu já vi este filme”?
Uma boa semana para todos. 
 
(Crónica na Rádio F - 30 de Novembro 2015)