segunda-feira, setembro 07, 2015

As vindimas no Douro


Depois da ceia...

Depois da ceia, o pessoal, extenuado, esfarrapado e imundo, cabeceava pelos cantos, ainda à espera de mais trabalho.
Ganho o dia aos cestos, era preciso ganhar a noite no lagar, num chouto que a princípio dava gosto e alegria, e se prolongava numa tortura desesperante.
O sono parava os nervos e os músculos, e a vontade tinha de protestar, de combater, de movimentar à sobreposse as articulações, mais perras que dobradiças enferrujadas.
Às tantas, erguer uma perna tornava-se um sacrifício…
O resto do corpo quase que desanimava perante a obstinada renúncia daquela parcela amortecida, inerte e pesada na espessura do mosto.
Mas tudo na vida acaba, e a penitência não fugia à regra.
Medida no relógio do Jacinto, com rigor de quem pesa oiro, a hora almejada de despegar chegava finalmente.
E, num automatismo resignado, lá iam procurar na palha forças para o dia seguinte.

MIGUEL TORGA, Vindima, XXXIV, princípio.
 
(O outro lado do acto de vindimar que não aparece nos roteiros turísticos!)