Pela
escrita de MESTRE AQUILINO RIBEIRO recordo aqueles tempos de petiz, na aldeia
que me adoptou.
«
A Malha.
Manhã
cedo, mal o sol, bravio que nem enxame de abelhas alvoriçado, pulava detrás dos
montes, goela forte bradava do alto pináculo da meda: à eira-aaa-aa-a!
Aquilo ouvia-se em grande raio pelo povo e suas abas, como os sinos de Toledo.
E logo de cada canto rompiam os malhadores, lépidos e pontuais como quem acode a um toque de guerra.
Calça branca de estopa, para gargantilha um lenço de mulher, esfraldado sobre os ombros por mor de paraganas, sol e moscas, irmãos danados a ferrar, a grenha das pomas a espirrar dos bofes da camisa, uns após outros, enchiam os caminhos dormentes que levam às eiras.
Todos descalços – que nem carne de Ferrabrás aturava pés calçados de sol a sol, na trabuzana – apenas se ouviam suas vozes marulhar ásperas na corrente remansosa da madrugada.
Aquilo ouvia-se em grande raio pelo povo e suas abas, como os sinos de Toledo.
E logo de cada canto rompiam os malhadores, lépidos e pontuais como quem acode a um toque de guerra.
Calça branca de estopa, para gargantilha um lenço de mulher, esfraldado sobre os ombros por mor de paraganas, sol e moscas, irmãos danados a ferrar, a grenha das pomas a espirrar dos bofes da camisa, uns após outros, enchiam os caminhos dormentes que levam às eiras.
Todos descalços – que nem carne de Ferrabrás aturava pés calçados de sol a sol, na trabuzana – apenas se ouviam suas vozes marulhar ásperas na corrente remansosa da madrugada.
Bafoeiradas
da aragem traziam pelos ares a moinha dos centeios padejados e o rescendor da
macela e da labaça que ressequiram nos campos gadanhados.
Cortavam o céu alto bandos de pombos bravos e, descuidosas, mondando o grão caído da espiga gorda, cantavam na terra das searas a perdiz e a corcolher.
Já as cerejas tinham bichos e a cigarra emudecia longas horas, quebrantada de tanto zangarrear.
As manhãs, até toarem os manguais, eram dum silêncio que se sentia do mais pequeno tropel de tamancos estreloiçando nas ruas.
Ainda o sol, furando às espaldas dos montes do Carregal, não se livrava – é um modo de dizer – duma pedra bem mandada, já a eira estava a postos.
De chapelão de grande sombra, saiote vermelho e colete de atacadores, mulheres ajeitavam as cuanhas e estendiam mantas a toda a roda para caçar o grão respingueiro.
Outras preparavam a eirada com desatar os molhos e espalhar a palha em carreiras, tendo o cuidado de deixar as espigas bem ao léu, para que se embebedassem de sol – o sol que as criara e agora ajudava os manguais a enxotar o grão para fora de seus casulos.
Cortavam o céu alto bandos de pombos bravos e, descuidosas, mondando o grão caído da espiga gorda, cantavam na terra das searas a perdiz e a corcolher.
Já as cerejas tinham bichos e a cigarra emudecia longas horas, quebrantada de tanto zangarrear.
As manhãs, até toarem os manguais, eram dum silêncio que se sentia do mais pequeno tropel de tamancos estreloiçando nas ruas.
Ainda o sol, furando às espaldas dos montes do Carregal, não se livrava – é um modo de dizer – duma pedra bem mandada, já a eira estava a postos.
De chapelão de grande sombra, saiote vermelho e colete de atacadores, mulheres ajeitavam as cuanhas e estendiam mantas a toda a roda para caçar o grão respingueiro.
Outras preparavam a eirada com desatar os molhos e espalhar a palha em carreiras, tendo o cuidado de deixar as espigas bem ao léu, para que se embebedassem de sol – o sol que as criara e agora ajudava os manguais a enxotar o grão para fora de seus casulos.
E
tão breve a palha aquecia, se punham em fila os malhadores.»
- AQUILINO RIBEIRO, Terras do Demo, 1.ª parte, II
- AQUILINO RIBEIRO, Terras do Demo, 1.ª parte, II
Brilhante!
Uma memória viva!