Caríssima
colega,
Dra.
Maria Arménia Carrondo, Presidente da FCT
Acabei
de receber, e todos os investigadores com responsabilidade em projectos, um
código de conduta da FCT, numa carta por si assinada, que apela à rectidão,
seriedade, ética da nossa conduta. Na vida há hierarquias, acredito. Receber
lições é bom, eu acho que as aulas têm uma dignidade que infelizmente foi sendo
retirada porque a possibilidade de aprendermos com quem sabe mais é uma das
grandes aventuras da nossa construção humana. Aprender mais é essencial,
incluindo sobre a nossa conduta. Mas repare, cara colega, tudo na vida
exige noção das proporções. Podemos até ensinar a missa ao padre mas temos que
conhecer a bíblia melhor que ele e pelo menos não ter roubado as esmolas. O
corrupto não dá lições a quem tem as mãos limpas; o criminoso não dá aulas à
vítima; para se dar lições de seriedade e ética é preciso tê-la. Aos
investigadores não basta parecer, há que ser. A FCT devia ter-se poupado a esta
figura ultrajante pois se há instituição em Portugal que não tem
qualquer reconhecimento em matéria de ética por parte da comunidade
científica, avaliação que nos une a todos, e tem enchido as páginas de jornais
deste país e é matéria não só de corredores mas de discursos de abertura de
conferências públicas, em todas as universidades, é a FCT. Os seus concursos
são conhecidos como “lotarias”, “totobolas”, logo a nós, que temos o cuidado de
procurar cada conceito do nosso trabalho, explicitar cada metodologia da nossa
pesquisa, o brio da seriedade que muitos nós carregamos é incompatível com o
estado vergonhoso a que chegou a FCT.
Para
além dos gravíssimos casos, que vêm desde os governos PS, da manutenção
ultrajante da precariedade e desemprego cíclico dos nossos doutorados e o apelo
a que emigrem, a reintrodução do sistema de cátedra com os programas doutorais
que vai arruinar a inovação, a FCT é responsável por ter anulado as regras dos
concursos públicos nas universidades portugueses – a Universidade portuguesa
está fora da lei. Os contractos de trabalho temporários dos professores
universitários em Portugal/investigadores são decididos por concursos de bolsas
– a indignidade das bolsas e concursos temporários – em que os avaliadores são
anónimos, muitos não são da área que avaliam; nos painéis finais de avaliação
há colegas com um CV muito inferior ao dos avaliados. E, não menos importante,
para a FCT, neste esquema, que passa por “avaliação competitiva”, o CV do
avaliado, aquilo que ele fez, pouco ou nada conta perto do projecto do
avaliado, que é apenas e só um plano de intenções, aquilo que ele se propõe
fazer. Porque chegámos a esta situação em que o plano de intenções conta mais
do que todo o trabalho feito comprovadamente, registado em CV? Porque a
discricionariedade tomou conta dos processos de avaliação da FCT. É um
sistema kafkiano em que, sublinho, ninguém conhece a pontuação do seu CV – como
nos concursos públicos está definida e bem – nem as razões de rejeição das
bolsas ou projectos. Já tive a minha equipa avaliada com 9 num ano e dois anos
depois, com mais publicações de cada um dos investigadores que a compõe, foram
avaliados com 6. A razão? A sustentação? Não sabemos, não conhecemos a
avaliação, só o resultado, sequer conhecemos quem fez aquela avaliação, quem
são aqueles colegas, o que estudaram, que capacidade têm para nos avaliar.
Lembro-me de um concurso FCT há dois anos atrás onde para avaliar todos os
projectos de história havia um medievalista. Que obviamente, pago, se dispôs a
colaborar com esta fraude em matéria de avaliação, com a cumplicidade de todos
os nossos colegas que aceitaram e aceitam fazer pareceres anónimos sobre outros
colegas.
A
FCT transformou os investigadores em captadores de divisas internacionais,
aniquilou as ciências fundamentais, exactas ou sociais. Mas, o que é de longe o
mais grave, destruiu, o sistema de ensino universitário porque ser professor e
ensinar alunos não conta para a avaliação do docente – é assim há mais de uma
década. Ao ponto de termos dos corpos docentes mais envelhecidos de toda a
Europa. Aquilo que é o mais produtivo trabalho de um investigador, ensinar,
conta residualmente para a avaliação, o que é hoje comtemplado são artigos de
avaliação anónima, vou dizer outra vez, para que não restem dúvidas – o
principal método de avaliação dos investigadores/docentes em Portugal é sujeito
a um processo de avaliação anónima. Nós que avaliamos os nossos alunos olhando-os
nos olhos. E escrevem-nos uma carta a ensinar ética?
Cumprimentos
Raquel
Varela, Historiadora, Investigadora do IHC (FCSH-UNL), Investigadora principal
de 6 projectos financiados, autora de 10 livros e 34 artigos com arbitragem
científica anónima, Investigadora do International Institute for Social
History, coordenadora do Grupo de História Global do Trabalho do IHC
(FCSH-UNL).
Absolutamente BRILHANTE!
QUE NUNCA DOA A MÃO A QUEM ASSIM ESCREVE!