A
OCDE publicou recentemente, por coincidência numa altura em que o tema em
Portugal “ferve”, um estudo sobre suborno. Fala-se de suborno nacional e
sobretudo internacional, ao nível empresarial. De acordo com esse estudo, o suborno
é um crime que cada vez mais se acentua à escala mundial, dada a imparável globalização
da economia. Nos esquemas clássicos figuram sempre altos quadros das empresas e
dos aparelhos de estado. As verbas destinam-se sobretudo à obtenção de
contratos públicos, com prejuízo dos contribuintes, que acabam por pagar muito
mais do que deviam por um qualquer serviço ou obra pública.
O
mais incrível é que nos 427 casos transfronteiriços de corrupção detetados
desde 1999 e analisados no estudo, a “solução” final passou, na quase totalidade,
pela simples aplicação de multas! A mentalidade corrupta existente na
generalidade dos países faz com que, a pretexto das verbas recebidas pelos Estados
à conta de multas, o crime acabe por compensar.
De
facto, o referido estudo da OCDE associou à corrupção o tráfico de influências
e a lavagem de dinheiro. Este conjunto de práticas é assim descrito como "muito
complexo", de cariz "oculto", envolvendo "transações em
offshores, através de múltiplos intermediários e complexas estruturas
corporativas". Implica investigação, tempo, cooperação e sanções. Ou seja,
implica uma disponibilidade de meios, de coordenação e de vontades dos Estados,
exigências que muitas vezes estão ausentes ou insuficientemente presentes.
Neste
retrato global fica a saber-se que 41% dos gestores mundiais pagaram ou deram
luz verde a "luvas”. Na lista de destino do dinheiro estão chefes de
Estado e ministros. As grandes empresas, com mais de 250 trabalhadores, estão
no topo das entidades que mais subornaram estrangeiros. Aplicaram-se multas no
valor total de apenas 1,8 mil milhões de euros, num contexto em que os
contratos em causa serão de 100 a 300 vezes mais valiosos. A multa mais elevada
de todas foi de 120 milhões de euros e ainda assim ditada por um tribunal do
Texas, em 2012, a um britânico envolvido num esquema de suborno a quadros
nigerianos. Ou seja, foi aplicada por um tribunal americano a um cidadão inglês,
envolvendo quadros nigerianos. Tudo dito!
O
relatório deste estudo da OCDE termina com manifestações de intenções e apelos genéricos
aos governos para que a corrupção seja alvo da Justiça. De facto, isto é o mais
longe que se tem ido no combate à corrupção a nível global, o que é muito
pouco. O diagnóstico está feito há muito, o problema consiste em encontrar uma solução
à altura.
O
mundo é hoje um local onde a democracia se tornou na arte de fingir que se faz
alguma coisa para que tudo fique na mesma. E isto acontece até nos países
mais insuspeitos, embora com menor intensidade do que no mundo que nos é mais
próximo. O único remédio possível obrigaria a um esclarecimento e militância
políticas das populações, que raia a utopia. Digamos que os corruptos e os
políticos, que tantas vezes são uma e a mesma coisa, há muito perceberam isto e
se especializaram em interpretar e em jogar com os anseios mais imediatos da
natureza humana, jogando-os uns contra os outros de acordo com a ocasião. O que
é hoje bom para uma sociedade, como um determinado benefício aparente, pode comprar
votos apesar de amanhã ser mais um prego no caixão do bem-estar e das
esperanças sociais.
O
mundo caminha para uma sociedade global bipolar: de um lado uma elite
minoritária que compreende como ninguém os mecanismos da globalização, da alta
finança e da corrupção. Do outro uma imensa massa humana a quem é deixada
apenas a possibilidade de sobreviver como pode, e que está condenada a ser para
a sociedade moderna o que foram os escravos nos impérios do passado. Ou seja, a
corrupção, grande ou pequena, vai ser a regra. E isso a OCDE não disse. Nem valia
a pena.
Tenham um muito bom dia.
(Crónica na rádio F - 08 de Dezembro 2014)