quarta-feira, dezembro 10, 2014

Ponto de vista


A OCDE publicou recentemente, por coincidência numa altura em que o tema em Portugal “ferve”, um estudo sobre suborno. Fala-se de suborno nacional e sobretudo internacional, ao nível empresarial. De acordo com esse estudo, o suborno é um crime que cada vez mais se acentua à escala mundial, dada a imparável globalização da economia. Nos esquemas clássicos figuram sempre altos quadros das empresas e dos aparelhos de estado. As verbas destinam-se sobretudo à obtenção de contratos públicos, com prejuízo dos contribuintes, que acabam por pagar muito mais do que deviam por um qualquer serviço ou obra pública.

O mais incrível é que nos 427 casos transfronteiriços de corrupção detetados desde 1999 e analisados no estudo, a “solução” final passou, na quase totalidade, pela simples aplicação de multas! A mentalidade corrupta existente na generalidade dos países faz com que, a pretexto das verbas recebidas pelos Estados à conta de multas, o crime acabe por compensar.

De facto, o referido estudo da OCDE associou à corrupção o tráfico de influências e a lavagem de dinheiro. Este conjunto de práticas é assim descrito como "muito complexo", de cariz "oculto", envolvendo "transações em offshores, através de múltiplos intermediários e complexas estruturas corporativas". Implica investigação, tempo, cooperação e sanções. Ou seja, implica uma disponibilidade de meios, de coordenação e de vontades dos Estados, exigências que muitas vezes estão ausentes ou insuficientemente presentes.

Neste retrato global fica a saber-se que 41% dos gestores mundiais pagaram ou deram luz verde a "luvas”. Na lista de destino do dinheiro estão chefes de Estado e ministros. As grandes empresas, com mais de 250 trabalhadores, estão no topo das entidades que mais subornaram estrangeiros. Aplicaram-se multas no valor total de apenas 1,8 mil milhões de euros, num contexto em que os contratos em causa serão de 100 a 300 vezes mais valiosos. A multa mais elevada de todas foi de 120 milhões de euros e ainda assim ditada por um tribunal do Texas, em 2012, a um britânico envolvido num esquema de suborno a quadros nigerianos. Ou seja, foi aplicada por um tribunal americano a um cidadão inglês, envolvendo quadros nigerianos. Tudo dito!

O relatório deste estudo da OCDE termina com manifestações de intenções e apelos genéricos aos governos para que a corrupção seja alvo da Justiça. De facto, isto é o mais longe que se tem ido no combate à corrupção a nível global, o que é muito pouco. O diagnóstico está feito há muito, o problema consiste em encontrar uma solução à altura.

O mundo é hoje um local onde a democracia se tornou na arte de fingir que se faz alguma coisa para que tudo fique na mesma. E isto acontece até nos países mais insuspeitos, embora com menor intensidade do que no mundo que nos é mais próximo. O único remédio possível obrigaria a um esclarecimento e militância políticas das populações, que raia a utopia. Digamos que os corruptos e os políticos, que tantas vezes são uma e a mesma coisa, há muito perceberam isto e se especializaram em interpretar e em jogar com os anseios mais imediatos da natureza humana, jogando-os uns contra os outros de acordo com a ocasião. O que é hoje bom para uma sociedade, como um determinado benefício aparente, pode comprar votos apesar de amanhã ser mais um prego no caixão do bem-estar e das esperanças sociais.

O mundo caminha para uma sociedade global bipolar: de um lado uma elite minoritária que compreende como ninguém os mecanismos da globalização, da alta finança e da corrupção. Do outro uma imensa massa humana a quem é deixada apenas a possibilidade de sobreviver como pode, e que está condenada a ser para a sociedade moderna o que foram os escravos nos impérios do passado. Ou seja, a corrupção, grande ou pequena, vai ser a regra. E isso a OCDE não disse. Nem valia a pena.
Tenham um muito bom dia.

(Crónica na rádio F - 08 de Dezembro 2014)