domingo, junho 08, 2014

No reino do Pacheco


Às duas por três nascemos,
às duas por três morremos.
E a vida? Não a vivemos.

Querer viver (deixai-nos rir!)
seria muito exigir...
Vida mental? Com certeza!
Vida por detrás da testa
será tudo o que nos resta?
Uma ideia é uma ideia
- e até parece nossa! -
mas quem viu uma andorinha
a puxar uma carroça?

Se à ideia não se der
O braço que ela pedir,
a ideia, por melhor
que ela seja ou queira ser,
não será mais que bolor,
pão abstracto ou mulher
sem amor!

Às duas por três nascemos,
às duas por três morremos.
E a vida? Não a vivemos.

Neste reino de Pacheco
- do que era todo testa,
do que já nada dizia,
e só sorria, sorria,
do que nunca disse nada
a não ser para a  galeria,
que também não o ouvia,
do que, por detrás da testa,
tinha a testa luzidia,
neste reino de Pacheco,
ó meus senhores que nos resta
senão ir aos maus costumes,
às redundâncias, bem-pensâncias,
com alfinetes e lumes,
fazer rebentar a besta,
pô-las de pernas pró ar?

Por isso, aqui, acolá
tudo pode acontecer,
que as ideias saem fora
da testa de cada qual
para que a vida não seja

só mentira, só mental.

Alexandre O’Neill (1924-1986)