O 10 de Junho comemorado
aqui na Guarda deu nas vistas, mas não apenas pelas razões que todos julgam.
Com efeito, o colapso vagal de Cavaco Silva não foi a única coisa que
aconteceu.
Uma notícia do jornal Público, emitida
pouco antes das 11h do próprio dia 10 de Junho, informou que os seguranças de
Cavaco Silva impediram qualquer aproximação e mandaram mesmo apagar as
fotografias a alguns fotógrafos que estavam mais perto do local onde o
Presidente foi assistido. Ainda de acordo com a mesma notícia, alguns minutos depois, ainda Cavaco Silva
estava a receber assistência, os seguranças obrigaram todos os jornalistas, que
inicialmente se encontravam do lado direito da tribuna principal – e por isso
mais perto do Presidente – a deslocar-se para o lado mais afastado, situado
para lá de duas tribunas de convidados, por ser um espaço sem qualquer acesso
visual à zona.
Os jornalistas e fotógrafos só foram autorizados a regressar
ao local que lhes havia sido inicialmente destinado quando o chefe de Estado já
tinha recomeçado o discurso.
Conseguiu-se entretanto saber-se quem
tinha sido o repórter a quem foi pedido para apagar uma foto. É um
repórter de imagem que trabalha para um semanário local. Esse repórter
relatou como dois seguranças de Cavaco Silva o obrigaram a apagar uma
fotografia que efetuara, “porque não queriam que houvesse registo”, disseram. O
jornalista confessou que a fotografia não tinha qualidade para fazer uma capa
de jornal e que por essa razão a apagou sem resistir.
Este relato foi
confirmado por outras fontes no local, que se referiram a uma voz de comando
bem audível que ordenou aos jornalistas que apagassem as fotografias. Ficou-se
também a saber mais tarde que foi também na altura ativado um inibidor de
telemóveis.
Ora, num estado de
direito democrático é impensável que uma autoridade exija a quem quer que seja,
e por maioria de razão a jornalistas e a fotógrafos profissionais, que apaguem
uma foto ou que se afastem de um local público onde acontece uma notícia, a não
ser em caso de perigo para si mesmos, situação que não se colocou. Aliás, a
legislação em vigor prevê até uma pena de prisão até 1 ano a quem apreender ou
danificar quaisquer materiais necessários ao exercício da actividade
jornalística ou impedir a entrada ou permanência em locais públicos para fins
de cobertura informativa, pena que é agravada para até 2 anos no caso de o
infrator ser agente ou funcionário do Estado.
A presidência da
República, perante este autêntico colapso da democracia, limitou-se a “não
confirmar” a situação de bloqueio à informação que foi presenciada por várias
pessoas.
Estes tiques censórios,
à base da inibição de telemóveis, apagamento ilegal de fotos e deslocação
forçada de jornalistas, são próprios de quem viveu o Estado Novo e agora tem
saudades. A classe política que nas últimas décadas conduziu o país ao
desastre, de que Cavaco Silva é afinal um dos principais expoentes, convive mal
com realidades que não controla. Os jornalistas servem sobretudo para
propaganda e para notícias que convenham. Quando por qualquer razão ameaçam ser
incómodos, passam a ser uma praga que convém fumigar. Se a circunstância o
propiciar, como parece ter sido o caso por as pessoas estarem sobretudo centradas
ao colapso do presidente, vêm imediatamente ao de cima os fantasmas da democratura, que é aquela coisa criada
para convencer os otários de que vivemos em democracia profunda e que as
instituições são verdadeiramente transparentes, isentas e promotoras da
verdade.
A saudade é a memória
do coração. Por isso cada um tem aquela que pode, com colapsos ou sem eles. Eu,
face ao que se passou, confesso que apesar de ter coração já não tenho saudade
nenhuma da passagem de Cavaco pela cidade. Vá-se lá saber porquê.
Tenham um muito
bom dia.
(Crónica na rádio F - 16 de Junho 2014)